Idealizado em referência (e reverência histórica) ao mais famoso patrimônio cultural egípcio, o troféu do Festival Internacional de Filmes do Cairo (CIFF) se chama Pirâmide de Ouro e ele é entregue anualmente ao melhor longa-metragem de um certame que, em 2025, congrega 14 produções de distintas latitudes. O júri de 2025, presidido pelo cineasta turco Nuri Bilge Ceylan (de "Sono de Inverno"), tem mais duas láureas em formato piramidal para entregar: uma, de prata, coroa a melhor direção, e a outra, de bronze, celebra a melhor narrativa concebida por cineasta estreante.
Títulos cultuados como "A Camareira do Titanic" (1997), do espanhol Bigas Luna (1946-2013), e "Mediterrânea" (2015), do italiano Jonas Carpignano, foram coroadas com o prêmio cinematográfico de maior prestígio da pátria dos faraós. A partir desta quinta-feira, uma imponente safra de expressões autorais se candidata à vitória nas telas do Egito, sendo o primeiro competidor um representante da casa, feito em dobradinha com a Palestina: "One More Show", de Mai Saad & Ahmed Eldanf.
É um concorrente que foi filtrado no coador da esperança. Sua trama se passa em meio à devastação do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, onde um grupo de artistas circenses se recusa a deixar o desespero tomar conta do palco. "One More Show" acompanha a trupe The Free Gaza — formada por Youssef, Batout, Ismail, Mohamed e Just — depois de serem deslocados de um extremo norte para o sul da cidade, enquanto transformam sua arte num ato de resistência e resiliência e esperança. Com a morte pairando a seu redor, a trupe se apresenta para crianças em abrigos e nas ruas, oferecendo momentos de alegria a quem batalha para escapar de tiros e de bombas.
Ainda nesta quinta, Ceylan e seu júri apreciam mais um dos candidatos à Pirâmide dourada: "As We Breathe", de Seyhmus Altun, vindo da Turquia. Essa produção fez barulho nos festivais de San Sebastián e de Toronto antes de bater ponto no Egito. Nela, somos levados a uma pequena cidade da Anatólia, no início dos anos 2000, onde o mundo cartesiano de Esma, de dez anos, desmorona silenciosamente após uma explosão em uma fábrica provocar um incêndio implacável. Enquanto a fumaça envenena a terra e sua família luta para sobreviver, a guria se agarra ao que resta de sua infância.
O mais badalado (previamente) dos 14 concorrentes à Pirâmide de Ouro virou sensação na 49ª Mostra de São Paulo, no mês passado: "Era Uma Vez Em Gaza" ("Once Upon a Time In Gaza"), de Tarzan & Arab Nasser (Palestina/ França). A seção Un Certain Regard do Festival de Cannes deste ano rendeu-se a essa tensa narrativa ambientada na faixa mais quente de conflitos do Oriente Médio, em 2007, e deu a ela a láurea de Melhor Realização. Yahya, um jovem estudante, faz amizade com Osama, um carismático e generoso dono de restaurante. Juntos, eles passam a vender drogas em meio as entregas de sanduíches de falafel, mas logo se veem obrigados a lidar com um policial corrupto e seu ego inflado. Sua projeção no Cairo será nesta sexta. No mesmo dia, rola sessão de mais um competidor de peso: "The Silent Run", de Marta Bergman, da Bélgica. É um estudo sobre imigração. No roteiro, os imigrantes Sara, Adam e sua filha de dois anos chegaram ilegalmente à Europa, por fronteiras belgas, e esperam finalmente conseguir chegar à Inglaterra. Amontoados com outros refugiados na parte de trás de uma van, eles provam do medo, que começa a prevalecer sobre a esperança. Um policial complicará a vida desse pessoal, colocando sua própria farda em xeque, num dilema ético acerca de sua intolerância.
A atração mais esperada desta sexta no CIFF está numa seção paralela ao concurso oficial e tem Lucy Liu no elenco. Alçada à condição de estrela na versão do seriado "As Panteras" para a telona, em 2000, e eternizada como vilã ao som de "Don't Let Me Be Misunderstood" em "Kill Bill: Volume 1" (2003), a atriz dá um passo além na carreira à frente de uma produção com cheiro de Oscar: "Rosemead". Ela passou por Tribeca (NY) e por Locarno, na Suíça, com essa joia. Situado no coração do San Gabriel Valley, com base numa história real, o filme é a saga de uma imigrante chinesa com doença terminal que descobre a perturbadora fixação de seu filho adolescente por tiroteios em massa. À medida que sua saúde se deteriora, ela toma medidas cada vez mais desesperadas - e moralmente complexas - para protegê-lo e enfrentar as trevas que o atraem. O enredo é perfumado de polêmica.
O Festival do Cairo chega ao fim no próximo dia 22, com a exibição do tunisiano "A Voz de Hind Rajab", da diretora Kaouther Ben Hania.