Atento às opressões sexistas do mundo árabe, o Festival do Cairo se empenha, ano a ano, em suas quatro décadas, a celebrar as resistências femininas ao jugo machista, reservando lugar nobre para diretoras autorais em sua grade competitiva e convidando realizadoras famosas pela aposta na sororidade para palestras abertas a estudantes. É o caso, nesta edição de nº 46 da visita de Ildikó Enyedi, realizadora húngara indicada ao Oscar.
Ela tem uma palestra na terra dos faraós no próximo dia 18, no Teatro Ópera, na capital Egípcia. Exibirá por lá "Amiga Silenciosa" ("Silent Friend"), drama delicado, laureado com o Prêmio da Crítica no Festival de Veneza, onde concorreu ao Leão de Ouro. A cineasta é respeitada não só pela força estética de sua (curta) obra, mas por mobilizar (sempre que volta aos cinemas) uma quantia bojuda de pagantes. Ficou meses a fio em cartaz com o longa que lhe deu notoriedade: "Corpo e Alma", ganhador do Urso de Ouro da Berlinale, em 2017. A realizadora vai receber, durante sua passagem pelo festival egípcio, um prêmio honorário da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci) por seus préstimos à arte.
"Existe uma riqueza sentimental enorme em pessoas que são fechadas em si. É isso o que eu tentei explorar, interessada na delicadeza", disse Ildikó ao Correio da Manhã, quando escrevia o roteiro de "A Amiga Silenciosa", que tem Tony Leung em seu elenco.
Ela é um dos expoentes de um movimento chamado Outono Húngaro, que explodiu com a consagração de "O Filho de Saul", de László Nemes, em 2015. "Eu venho de um país que pode ser assustador sob muitas óticas, na política e na economia, mas que desenvolveu um cinema muito potente num intervalo de tempo que, não corresponde ao período fértil da minha geração. Nos últimos 30 anos, em meio aos problemas que eu e meus contemporâneos encaramos, cresceu uma nova turma, com um cinema inovador", diz a cineasta, que rodou curtas, documentais e a versão húngara da série "Em Terapia". "É um orgulho ver que grandes autores cinematográficos estão surgindo da minha nação".
"A Amiga Silenciosa" rendeu o Prêmio Marcello Mastroianni de Melhor Revelação para Luna Wedler no Festival de Veneza. Seu enredo se desenrola no coração de um jardim botânico em uma cidade universitária medieval da Alemanha, onde se vê um majestoso Gingko biloba. Testemunha muda da História, a planta acompanha, por um século, os discretos ritmos de transformação de três vidas humanas. Em 2020, um neurocientista de Hong Kong, dedicado a estudar a mente dos bebês, inicia um experimento inesperado com a antiga árvore. Em 1972, uma estudante é profundamente marcada pelo simples gesto de observar um gerânio e se conectar a ele. Em 1908, a primeira aluna mulher da universidade descobre, pelas lentes de uma câmera fotográfica, padrões sagrados do universo escondido nos vegetais. A partir desse velho gingko, Ildikó nos aproxima do que significa ser humano, em busca por pertencimento.