Em meio a uma fase de consagração graças ao fenômeno comercial 'Longlegs', astro volta ao filão do do terror com 'Sombras do Deserto', em busca da popularidade de que desfrutou nos anos 1990
De mãos dadas com o Diabo, numa fase de apogeu comercial dos filmes de terror, o circuitão comercial brasileiro abre espaço a partir desta quinta-feira para "Sombras no Deserto" ("The Carpenter's Son"), vislumbrando um potencial êxito de bilheteria no protagonismo de um astro ganhador de Oscar que um dia foi chamariz de multidões: Nicolas Cage. Seu enredo se desenrola no Egito antigo, onde uma família vive escondida, tenta escapar da danação em meio a um segredo que não pode ser revelado.
Referências ao Evangelho pontuam o roteiro. Entre as areias de um deserto sedento para dragar vidas humanas, um sujeito chamado Carpinteiro (Cage), sua esposa (FKA twigs) e um menino (Noah Jupe), que pode ser o Jesus do Novo Testamento, sobrevivem entre a fé e o medo de serem encontrados. Quando uma presença sombria cruza seu caminho, o guri começa a questionar tudo em que acredita, despertando forças que nem ele é capaz de compreender. À medida que seu dom cresce, o confronto entre o Sagrado e o desconhecido se inicia.
Cage tem uma atuação que promete aplausos, quase tanto quanto os arrancados por ele nas sessões do thriller "The Surfer" na Mostra de São Paulo de 2023. Nessa produção lançada no festival de Cannes, há um ano, nada cria mais angústia do que uma sequência de brutalidade envolvendo um copo de café, quando seu protagonista tenta dar um golinho na bebida quente após uma excursão por um inferno cercado de ondas. Sob a direção tensa de Lorcan Finnegan, esse suspense matou as saudades da Croisette daquele Cage cheio de som e de fúria que tomou o cinema de assalto na década de 1990, em longas como "Coração Selvagem" (Palma de Ouro de 1990).
Paralelamente a "The Surfer", Cage renovou sua popularidade ao estrelar "Longlegs - Vínculo Mortal", que se transformou no maior êxito recente de sua carreira, com quase US$ 110 milhões em sua arrecadação. Comparado a "O Silêncio dos Inocentes" (1991), essa produção de Osgood Perkins, hoje na Amazon Prime, escala o ator de 61 anos no papel de um serial killer assombroso, apelidado por si mesmo de Longlegs, que é caçado pela agente do FBI Lee Harker (vivida por Maika Monroe). O desempenho de Cage arrancou elogios em uníssono da crítica internacional. O regresso dele aos holofotes do circuitão americano e à cena dos festivais (com "The Surfer") fez com que um cult recente da carreira do ator, considerado por parte da crítica seu melhor trabalho nos anos 2010, fosse redescoberto pelas plataformas de streaming: "Mandy - Sede de Vingança" (2018).
Afogado em dívidas por conta de um acordo de separação que lhe custou milhões de dólares, Cage vinha no piloto automático há anos, somando um filme ruim atrás do outro, até "Mandy" aparecer. Embora seja B (de bruto) até o osso, com litros de sangue a espirrar pelas telas, o thriller sobrenatural de Panos Cosmatos foi ovacionado por público e crítica no 71. Festival de Cannes, onde foi exibido na mostra Quinzena de Cineastas. Sua sanguinolência ganha uma representação gourmet numa fotografia de alto requinte, capaz de valorizar as cores berrantes de sua linguagem de videoclipe até gerar uma experiência sensorial rara. Cage, que vinha em estado de letargia, dá uma performance em estado de graça, doida, selvagem como fazia nos tempos de "A Outra Face" (1997), num tempo em que reinava sob Hollywood.
"Existem sofrimentos em todo personagem e é isso o que me atrai na arte de atuar: dar voz a essas cicatrizes", disse Cage, lá atrás, em 1996, quando ganhou o Oscar por "Despedida em Las Vegas". Ele retomou o discurso com "Mandy", que ganha uma sobrevida mundo afora em meio à estreia de "Sombras no Deserto". Hoje, no planisfério cinéfilo, geral quer Cage em papéis enraivecidos.
À época da passagem de "Mandy" por Cannes, ele não foi à Quinzena, mas fez um discurso existencialista similar nas sessões desse filmaço no Festival de Sundance, nos EUA. No longa de Cosmatos, ele é um serralheiro cuja companheira é morta por uma seita hippie que cultua o Mal. Há integrantes dessa igreja com feições de monstro, mas ao escapar deles, Cage vai partir para uma vingança usando um machado de prata e uma serra elétrica sedenta pelos coágulos alheios. Falando assim... parece um filme trash... e é... mas um trash de autor, com um requinte plástico que muitos longas-metragens europeus ou asiáticos de Cannes não têm.
Morto em 2005, o pai de Panos é ninguém menos do que George Pan Cosmatos, diretor de iguarias do cinema de ação como "Stallone Cobra" (1986), recentemente exibido (e debatido) na Cinemateca Francesa, em Paris. O desenho do personagem de Cage é similar aos dos heróis politicamente incorretos daquele tempo. Marola similar o cerca em "Sombras no Deserto", que há de apavorar salas de projeção.
Para 2026, a voz de Cage será ouvida na série "Spider-Noir", derivada das HQs do Homem-Aranha.