Mais tradicional mostra competitiva do mundo árabe, o Festival do Cairo, referência no debate da estética audiovisual há 45 anos, exibe potenciais concorrentes ao Oscar e candidatos a cult
Ponto de conexão (e de fricção, pelo uso do árabe como língua) entre a África e o Oriente Médio, o Egito serve de sede a um dos últimos festivais dedicados à diversidade audiovisual de 2025, que começa nesta quarta e segue até o dia 21 de novembro com longas perfumados com cheiro de Oscar em seu programa oficial, organizado sob a direção artística do curador Mohamed Tarek. Seu título de maior apelo é "A Voz De Hind Rajab", de Kaouther Ben Hania, da Tunísia, que se impõe como possível concorrente às estatuetas douradas de Hollywood. A sessão dele será fora da mostra competitiva oficial, na qual brigam atuais quindins da crítica como "Calle Málaga", do Marrocos, e "The Things You Kill", da Turquia.
Apesar da torcida por "O Agente Secreto", as maiores chances de Oscar para um filme de língua não inglesa de 2026 parecem estar com a saga de Hindi Rajab, filmada pela cineasta responsável por "As 4 Filhas de Olfa". A partir do áudio original de uma menina palestina que ficou num tiroteio na Faixa de Gaza, em janeiro de 2024, a diretora reconstitui a luta de um grupo de voluntários para tentar resgatá-la. A produção ganhou o Grande Prêmio do Júri em Veneza e o Troféu Cidade de Donostia em San Sebastián.
A boa do Brasil para o Cairo é "O Último Azul", dirigido por Gabriel Mascaro, que passa fora de concurso na pátria outrora comandada por Quéops, Quéfren e Miquerinos, os maiores construtores de pirâmides consagrados por livros de História. O longa foi laureado com Grande Prêmio do Júri da Berlinale, em fevereiro. A produção ganhou ainda a láurea do Júri Ecumênico de Berlim e o Prêmio dos Leitores do Berliner Morgenpost. Essa belíssima distopia contra o etarismo segue os passos de Tereza (Denise Weinberg, em atuação estonteante), funcionária septuagenária de um curtume de jacarés, em terreno amazônico, que é forçada a migrar para um campo de concentração para cabeças grisalhas. A recusa de ser isolada num retiro obrigatório, imposto pelo governo a quem tem 70 , faz com que ela engate numa jornada rio acima. Tereza conta com a ajuda de barqueiro de coração quebrado (Rodrigo Santoro) para cruzar a geografia amazonense, ouvindo dele segredos sobre o caracol da baba azul, um visco que abre portas da percepção.
Alçada à condição de estrela na versão do seriado "As Panteras" para a telona, em 2000, e eternizada como vilã ao som de "Don't Let Me Be Misunderstood" em "Kill Bill: Volume 1" (2003), Lucy Liu vai dar um passo além na carreira neste Festival do Cairo, à frente de uma produção com cheiro de Oscar: "Rosemead". Ela passou por Tribeca (NY) e por Locarno, na Suíça, com essa joia. Situado no coração do San Gabriel Valley, com base numa história real, o filme é a saga de uma imigrante chinesa com doença terminal que descobre a perturbadora fixação de seu filho adolescente por tiroteios em massa. À medida que sua saúde se deteriora, ela toma medidas cada vez mais desesperadas - e moralmente complexas - para protegê-lo e enfrentar as trevas que o atraem. O enredo é perfumado de polêmica.
Uma das atrações mais esperadas do Festival do Cairo é a seção Horizontes do Cinema Árabe que, esre ano, traz nove filmes em sua competição. Brigam por prêmios: "Pasha's Girls" (Egito); "Round 13" (Tunísia); "Azza" (Arábia Saudita); "Flana" (Iraque); "Goundafa, The Cursed Song" (Marrocos); "Dead Dog" (Líbano); "Complaint No. 713317" (Egito); "Looking for Aida" (Tunisia); e "Anti Cinema" (Arábia Saudita).