Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Leffest, a maratona cinéfila da terrinha

Where to Land | Foto: Divulgação

Medalhões autorais que caminham para o Oscar batem ponto na grade do festival mais bombado de Lisboa, que presta tributo para Wagner Moura

Puseram na conta de Jim Jarmusch a tarefa de abrir a 19ª Edição do Leffest, o mais pop e ao mesmo tempo mais autoral dos festivais de cinema de Lisboa, com a projeção da comédia agridoce que lhe valeu o Leão de Ouro de 2025: "Pai Mãe Irmã Irmão" ("Father Mother Sister Brother"). A sessão inaugural será nesta sexta, no Cine São Jorge, lá na terrinha, que serve como base para as operações cinéfilas do evento dirigido pelo produtor Paulo Branco, uma lenda portuguesa.

Um tributo ao baiano Wagner Moura, impulsionado pela estreia lusa de "O Agente Secreto", é parte das ações que o evento preparou para sua grade, que se estende até o dia 16, com diferentes seções competitivas. Alta é a expectativa por "Blue Moon", nova parceria entre Ethan Hawke (numa atuação dos diabos) e o diretor Richard Linklater, seu parceiro em "Boyhood" (2014) e na trilogia "Antes do Amanhecer" (1995-2013), feita também com Julie Delpy, diva francesa.

Macaque in the trees
Blue Moon | Foto: Divulgação

Numa nova sinergia, que pode levar ambos ao Oscar, o cineasta e o astro revisitam a saga do letrista Lorenz Hart (1895-1943), que enfrenta a chegada de um porvir nada otimista à medida que sua vida (profissional e privada) desanda em goladas contínuas em destilados de alto teor alcoólico. Tudo se passa no bar Sardi's, durante a festa de abertura do novo espetáculo (o fenômeno "Oklahoma!") de seu ex-parceiro Richard Rodgers (1902-1979), interpretado por Andrew Scott (de "Ripley"), corado com o Urso de Prata de Melhor Coadjuvante pelo longa. Naquela noite de 31 de março de 1943, revivida por Linklater, Lorenz vai escancarar todos os seus demônios, à espera de um cafuné da poeta Elizabeth (papel de Margaret Qualley), seu xodó atual. A destreza cômica de Hawke é notável. Fora isso, lá nos EUA, ele lidera a bilheteria à frente do terror "O Telefone Preto 2".

Entre os adversários de Linklater (titular da capa de outubro da cultuada revista "Cahiers du Cinéma"), vale destaque a aventura que venceu a Mostra de São Paulo na semana passada: "The President's Cake", do iraquiano Hasan Hadi. Sua protagonista é Lamia (Banin Ahmad Nayef), uma estudante de 9 anos que precisa cumprir a tarefa imposta por sua escola: preparar um bolo. Não se trata de um bolo qualquer. É um bolo de aniversário para... Saddam Hussein (1937-2006), o então líder de sua pátria.

Um dos competidores de grife mais sólida deste Leffest é "Where to Land", longa inedito do muso indie Hal Hartley. Aos 65 anos, o cineasta nova-iorquino de Long Island criou maneiras de filmar que desafiam os cânones mercadológicos da indústria. A esteira de filmes icônicos em sua trajetória como realizador, como "Confiança" (1990) e "As Confissões de Henry Fool" (melhor roteiro em Cannes em 1997), fizeram dele um estandarte de exceção nos meios de produção dos diretores americanos. Estudioso de teoria musical, apaixonado por figuras errantes, de mural torta, ele promete estontear os portugueses com a saga do artista visual Joseph Fulton (Bill Sage). Procurando uma vida mais tranquila e uma maior proximidade com a natureza, esse realizador aposentado, candidata-se a um emprego como assistente de jardineiro num cemitério local - quer apenas manter-se ocupado, ao mesmo tempo que decide colocar os assuntos em ordem, redigindo o seu testamento. A família, oa amigos e os vizinhos interpretam mal a situação: assumem que ele está a morrer e juntam-se no seu apartamento para um último adeus com direito a filosofia desajeitada sobre o significado da vida. Hartley terá uma mostra paralela no Leffest, que atrai plateias de toda a Península Ibérica.

Macaque in the trees
Família de Aluguel | Foto: James Lisle/Divulgação

Na reta final do festival, o Cine São Jorge projeta a delicinha de dramédia "Família de Aluguel" ("Rental Family"), de Hikari, vinda do Japão. A estrela da fita, Brendan Fraser, está no apogeu de sua maturidade, num equilíbrio fino entre riso e pranto, no papel de um ator falido que vive no Japão. Numa Tóquio repleta de desconexões, ele vira operário numa agência que forja "parentescos" e afetos. É assim: se uma pessoa está solitária e sonha ter um "parente" para chamar de seu, ela aluga os serviços dessa companhia que providencia alguém para se passar como um primo distante e até uma figura paterna há muito sumida. Óbvio que o coração dele vai dar ruim.