Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O chamado da floresta nas raias do documental

'A Queda do Céu', que mergulha no cosmogonia ianômami, terá exibição em Belém durante a COP 30 | Foto: Divulgação

Cerca de um ano e meio depois de encantar Cannes com ancestralidades da cultura ianomâmi, 'A Queda do Céu', de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha, encontra a rota do circuito comercial - e se candidata a sucesso na seara dos .docs

É pelas trilhas políticas da ecologia - seu berço - que o memorável "A Queda do Céu" encontra o caminho que espera, há quase um ano e meio, para encantar o circuito brasileiro. A via de chegada: a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Em plena COP30, Belém do Pará recebe, no dia 13 de novembro, às 19h, uma sessão especial do filme de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha que abriu sua estrada em maio de 2024, na Quinzena de Cineastas de Cannes. A projecão paraense será no Instituto Ciência de Arte, edifício histórico na Praça da República, com a presença do xamã Davi Kopenawa e de Eryk para debate com o público. O lançamento em âmbito nacional será no dia 20 deste mês.

Processo de imersão na floresta, no coração do Amazonas, "A Queda do Céu" fincou raízes na Quinzena de Cannes e lá plantou sementes que, regadas a elogios da crítica internacional, oxigenaram várias mostras pelo mundo. Feito em esquema de colaboração com o povo indígena ianomâmi, o transcendente experimento de Gabriela e Eryk foi agraciado com o troféu Redentor de Melhor Direção de Documentários no Festival do Rio 2024. De lá saiu ainda com o prêmio de Melhor Som. Sua narrativa de tons ritualísticos segue Davi Kopenawa enquanto ele batalha para devolver o equilíbrio à sua comunidade, entre rezas e aforismos filosóficos.

A exploração madeireira ilegal, a mineração de ouro e a mistura mortal de epidemias que as intrusões do garimpo e de outras práticas de depredação contra a selva são tematizados na plenária que Kopenawa cria numa forma de reza. A contundência de suas reflexões ampliou a adesão da Croisette à produção.

Macaque in the trees
Gabriela Carneiro da Cunha Eryk Rocha durante passagem por Cannes | Foto: Divulgação

"Documentário e ficção se entrelaçam aqui numa mesma chave, numa encruzilhada, pois a linguagem dos Ianomâmi não faz as distinções que fazemos. Ela entrelaça os saberes", disse Gabriela, uma atriz premiada que se aventurou a filmar o livro "A Queda do Céu", escrito por Kopenawa e Bruce Albert, após ser dragada pela leitura dele. Essa conversou com o Correio em Cannes. "Existe performatividade no Davi e no seu povo, que tem um compromisso com a beleza. Por isso o filme tem circularidade".

Seu companheiro, Eryk, foi premiado em Cannes em 2016 com a láurea Olho de Ouro pelo .doc "Cinema Novo", no qual passava em revista a obra da geração responsável por modernizar o audiovisual no país - e da qual fazia parte seu pai, Glauber Rocha (1939-1981). O cineasta diz que filmou "A Queda do Céu" com Gabriela contando com uma equipe enxuta, somando seis pessoas. O time chegou à fronteira com Roraima antes da pandemia. Registraram entre outras coisas a cerimônia do Reahu, uma espécie de despedida para a morte do sogro de Kopenawa.

"Esse projeto materializa o meu encontro de vida com a Gabi, ou seja, o teatro e o cinema. Só que materializa também o encontro do cinema da gente com o cinema sem câmera dos povos ianomâmis, que se faz de cantos e de danças", diz Eryk. "O grande problema do mundo hoje é que seguimos uma lógica grega, de base aristotélica, segundo a qual o homem está acima de tudo. A cosmologia dos ianomâmi não comporta hierarquias, nem separa natureza de cultura".

No aguardo por uma vaga em telona, "A Queda do Céu" participou de 80 festivais no Brasil e no mundo e venceu o Grande Prêmio do Júri da Competição Kaleidoscope do festival DOC NYC, o maior festival de documentários dos Estados Unidos. Ganhou ainda o Prêmio Especial do Júri da Competição Internacional no DMZ Docs 2024 (Coreia do Sul), o maior da Ásia. Abocanhou ainda o Prêmio Fundação INATEL no Festival DocLisboa 2024 (Portugal), e o Prêmio Principal Fethi Kayaalp no Festival Internacional de Documentários Ecológicos de Bozcaada 2025 (Turquia).