Realizador de uma comédia existencialista que virou cult há dez anos ("Entre Abelhas"), Ian SBF alfabetizou toda uma geração pela cartilha do Porta dos Fundos, desde que seu trabalho à frente do coletivo de humor - ainda em sua fase inicial, só no YouTube - fez o Brasil entender o que pode existir por trás de um inocente pudim. O cineasta começou nos curtas, dirigiu séries ("Borges", entre elas), mas rodou longas de identidade autoral, afinados com a inquietação geracional de quem passou a adolescência nos anos 1990 (como "Ciclo").
Agora, pelas vias da fantasia, ele dá ao cinema brasileiro um dos mais desesperadores exercícios da América Latina pelas veredas do horror: "A Própria Carne". Um de seus méritos é a escalação de um gênio da dublagem, Luiz Carlos Persy, para ser seu ferrabrás, o Fazendeiro, num contexto histórico sul-americano do século XIX, com foco no massacre da Guerra do Paraguai.
Já em cartaz, exclusivamente na Rede Cinemark, esse thriller do Capeta carrega a grife do Jovem Nerd, empório midiático que nasceu de uma parceria entre os amigos Alexandre Ottoni e Deive Pazos, em 2002. Em cerca de 20 e poucos anos de atuação no cenário da nerdice, os dois foram responsáveis por transformar um blog num grande portal de notícias e entretenimento, que abriga podcasts, videocasts e uma central de notícias. O filme coroa essa euforia criativa.
Seu roteiro segue três soldados desertores (vividos pelos atores Jorge Guerreiro, George Sauma e Pierri Baitelli), nas fronteiras paraguaias, em 1870, até um casarão isolado, habitado apenas por um estancieiro misterioso (Persy) e uma jovem (Jade Mascarenhas). O que parecia ser um abrigo se transforma em um abraço do Demo, conforme o trio descobre os segredos macabros daquele local. Vinícius Brum assina a fotografia desse delírio que leva o rosto de Persy (um ator titânico) de volta à telona. No papo a seguir, Ian abre reflexões geopolíticas.
Que referências do terror nortearam o seu olhar?
Ian SBF - Eu sempre preferi os filmes que criam tensão e atmosfera aos que se baseiam só em susto. Para "A Própria Carne" usamos "A Bruxa" como nossa bíblia, mas eu também amo "Hereditário", "A Substância", "Herege", "Evil Dead" e "A Mosca". Todos têm esse lado de desconforto e estranhamento que me interessa muito mais que o susto em si.
Qual é o espaço que a Guerra do Paraguai ocupa no imaginário brasileiro?
A Guerra do Paraguai ocupa muito pouco espaço no imaginário brasileiro, mas seus reflexos duram até hoje. Esse é um problema grave do Brasil: a falta de memória, principalmente dos momentos mais terríveis. Mesmo não sendo um filme sobre a guerra, eu espero que, ao usá-la como pano de fundo, a gente desperte algum interesse do público por esse período tão bizarro e importante da nossa História.
O que esse caminho de produção do Jovem Nerd oferece como liberdade de criação?
O melhor dessa colaboração com o Jovem Nerd foi o lado criativo. Todo mundo queria fazer o melhor e entregar o máximo para o público, e isso gerou debates e embates maravilhosos. Quando a gente precisa defender uma ideia é que descobre se ela realmente vale ser defendida. E isso aconteceu dos dois lados. Foi uma parceria incrível com o Alexandre e o Deive, que são meus amigos há uns quinze anos, e deixou todo mundo muito orgulhoso do que a gente colocou na tela.
Referências e porvires são bem-vindos para uma triagem da sua cabeça: onde nasceu, quantos anos tem, onde formou-se, quantos filmes dirigiu, que próximo projeto tem?
Nasci em 1980, no Rio de Janeiro. Nunca me formei, tranquei a faculdade porque um curta que eu fiz, "O Lobinho Nunca Mente", começou a ir pra festivais e eu tive que escolher. Na época, preferi seguir o caminho do curta, e acabei aprendendo muito mais fazendo vídeos pro YouTube, onde eu fazia de tudo, e realmente aprendi na prática. Hoje estou trabalhando na primeira temporada da animação "Sociedade da Virtude", que eu criei junto com o Thobias Daneluz. É uma coprodução com a HBO MAX e o Adult Swim e estreia no começo do ano que vem. Estou absurdamente animado com isso.