Produção andina renova o diálogo da América Latina com o realismo mágico
Em meio à fartura de atrações hispano-americanas da 49ª Mostra de São Paulo, que reforça os laços do evento com nuestros hermanos, a Bolívia carimba seu visto de permanência em telas brasileiras com uma fábula capaz de retomar a tradição latina do realismo mágico e assegurar à maratona cinéfila da maior metrópole do país sua personagem mais fascinante.
A menina de oito aninhos Santa, vivida por Fernanda Gutiérrez Aranda em "Cielo", é a estrela desta Mostra. Tem projeção do longa protagonizado por ela nesta quarta (29), às 20h30, no Multiplex Playarte Marabá 5, e na quinta, às 15h40, no Marabá 1. O diretor é catalão, Alberto Sciamma, e sua produção tem parceria com o Reino Unido, mas o altiplano boliviano explode no azul de sol a pino de tardes enquadradas pelo fotógrafo Alex Metcalf.
A passagem de "Cielo" pelo Brasil demarca um momento de prestígio mundial do audiovisual da Bolívia, que escolheu "La Casa Del Sur", de Carina Oroza e Ramiro Fierro, para representa-la ao olhos da Academia de Hollywood, no sonho de uma indicação ao Oscar. A fase de bonança daquela nação na telona começou com a conquista do Grand Prix de Sundance, em Park City, nos EUA, concedido a "Utama", de Alejandro Loayza Grisi, em 2022. Na mesma época, seu conterrâneo "El Gran Movimiento", de Kiro Russo, ganhou menção honrosa no IndieLisboa. Meses depois, foi a vez do doído "El Visitante", um ensaio antifundamentalista de Martín Boulocq, receber elogios, holofotes e a láurea de Melhor Roteiro em Tribeca. "Los De Abajo", do qual Sciamma tomou emprestado o (talentoso) ator Fernando Arze Echalar.
Ganhador de três láureas no festival português Fantasporto, "Cielo" faz a plateia delirar com as peripécias de Santa. Após um contratempo trágico, ela embarca em uma atribulada jornada para levar sua mãe ao Paraíso - literalmente. As duas fizeram um pacto: quando a mãe morresse, Santa seguiria as estrelas e conduziria seu corpo pelo deserto em direção ao céu, um lugar que elas acreditam ser tão real quanto qualquer outro. Não por acaso, o argumento de Sciamma gravita por uma linha tênue entre o possível e o improvável. Ao longo do seu caminho, a carregar um tambor com um conteúdo mórbido, a menina encontra um grupo de lutadoras profissionais de um MMA meio improvisado que a ajudam em sua trajetória, além de se deparar com um policial durão (papel de Arze Echalar) que começa a suspeitar do provável encantamento da guria, ao ser alvo dos poderes mágicos dela. Santa é capaz de curar feridas e de fazer uma vaca magra jorrar um oceano de leite.
Com sua fé a pequenina liberta o melhor que há em cada um e expõe o quanto o cinema boliviano vem ousando em suas dramaturgias. A Mostra termina nesta quinta.