Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Ducca Rios: 'A animação reforça força simbólica de tudo'

O animador Ducca Rios, diretor de 'Revoada' | Foto: Divulgação

Tem muita animação boa nesta 49ª edição da Mostra de São Paulo, mas nenhuma tem tanta pólvora e tanta poesia quanto "Revoada - Versão Steampunk", um presente dos orixás da Bahia ao cinema brasileiro. Chame-o de nordesten, pois é um "faroeste macaxeira", filão que nos deu de "O Cangaceiro" (1953) a "Bacurau" (2019), passando pelo legado alegórico do Glauber Rocha da década de 1960, na toada "O Sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão". Ducca Rios, de Salvador, é o realizador dessa joia, que parece "Era Uma Vez No Oeste" (1968), só que em forma de distopia (animada). A exibição rola às 19h30 desta segunda, no Reserva Cultural. Já, já, vai ter festival no exterior se empapuçando com esse caruru animado.

Diretor de "Meu Tio José" (2021), Ducca partiu do cult "Revoada" (2008), de José Umberto Dias, e animou um épico. É como se Katsuhiro Otomo (quadrinista e realizador de "Akira") fundisse os seus saberes com o Sergio Leone de "Por Um Punhado de Dólares" (1964). Nasce daí um spaghetti western apocalíptico, com molho de brasilidade, potencializado por uma engenharia sonora fina, que evoca a energia de um "pancadão" de baile funk, em sua vividez. Sua trama se passa numa região quase desértica do Nordeste, onde se dá uma invasão pelas tropas do governo, a famigerada "Volante", ao acampamento de destemidos cangaceiros liderados pelo "bandido social" Capitão. No embate, rola um massacre. Morrem Capitão e sua companheira, Maria. Testemunha desse mal, o cangaceiro Lua Nova jura vingança.

Na conversa a seguir, Ducca explica sua imersão numa dramaturgia universalmente regional.

De que maneira "Revoada" conversa com a tradição do nordestern? Que Nordeste futurista cabe na tua animação?

Ducca Rios - Acho que é um sonho coletivo perseguido por vários diretores brasileiros o anseio de produzir filmes com o cangaço, entendendo-o de forma análoga ao momento histórico de colonização do Oeste estadunidense. O Nordestern está presente de "Antonio das Mortes" (o título original de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" de Glauber Rocha) a "Bacurau", somente para citar dois nordestinos encantados com lendas e histórias quase míticas que aqui, em nossa terra, escutamos desde sempre sobre esse fenômeno. Ele também se esgueira pelo meio do caminho no filme do José Umberto Dias e, no final, depois de tudo, ressurge no meu "Revoada - Versão Steampunk". Aparece com violência explícita inspirada em Tarantino, numa estética steampunk distópica que reflete meu gosto por "Duna" de Alejandro Jodorowski, por Moebius e por "Mad Max". O filme assim é intencionalmente uma apropriação de gêneros, costurados da melhor forma que pude com as tradições do Nordeste, feito para impactar como obra de ação e reflexão. Aqui, em meio às referências de cultura pop, está preservada a tragédia do cangaço - fruto da seca projetada para matar nordestinos e da opressão tirânica dos coronéis, com a conivência do Estado, em finais do século XIX e início do século XX.

Como é o teu esquema e estrutura para criar - de forma tão livre - um tipo de filme animado que investe em tons políticos?

Tons políticos fazem parte da minha poética, assim como o cinema de animação. A adaptação começou em uma sala de roteiro comigo, a Amanda Aouad e a Ana Claudia Caldas. O José Umberto também era uma "presença ausente", por meio de seu roteiro original. A estrutura vai se formando no trabalho e no retrabalho até, no fim, eu poder ver o meu filme e não mais o do autor da obra adaptada. Depois da sala de roteiro finda, ainda fustiguei muito a peça escrita. Eu a espremi e retorci até me dar por satisfeito, tendo como grande aliada a animação em si, que garante qualquer devaneio e reforça força simbólica de tudo.

Como você avalia a animação que a Bahia faz... que o Brasil faz?

O Brasil é uma explosão de criatividade e competência na realização de filmes em animação, estando praticamente todos os anos nos grandes festivais do mundo, destacando-se o de Annecy. Cada vez mais, nossa animação está organizada em torno de associações como a ABCA e a Abranima. A Bahia é pioneira na animação, tendo abrigado a realização de um dos primeiros e mais bonitos longas-metragens animados feitos no país: "Boi Aruá", do artista plástico e diretor Chico Liberato. A Bahia segue com essa tradição até hoje, multiplicando-se em produções de empresas e artistas independentes que se fazem presentes nas principais premiações nacionais e internacionais, assim como na programação de canais e plataformas de streaming. Além disso, está na Bahia a única associação do país que reúne sob o seu guarda-sol os produtores de animação e os realizadores de games: a GAMA, que também irriga a semente do belo e heroico Festival Animaí. Já em sua sétima edição, ele tornou-se um centro de convergência da animação e dos games no estado e no país.