Encarada como diva pelo cinema brasileiro de invenção desde seus 20 e poucos anos... lá no início da década de 2000... quando deu o ar de suas variadas destrezas artísticas em "O Signo do Caos" (2003), Djin Sganzerla assegurou à Mostra de São Paulo de 2025 aquele que, até agora, é seu maior achado na seara nacional do ano: "Eclipse". Cinco anos depois de sua estreia como realizadora, em "Mulher Oceano" (2020), a atriz de "Falsa Loura" regressa ao posto de cineasta nas telas da maratona paulista.
Filha do diretor Rogério Sganzerla (1946-2004) e da cineasta e atriz Helena Ignez, parceiros de criação no cult "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), ela dirige e encarna a personagem central, a astrônoma Cleo. Seu longa-metragem terá mais uma sessão nesta quarta (dia 22), às 15h10, no Reserva Cultural. Grávida aos 43 anos, a protagonista de "Eclipse" é surpreendida pela visita de sua meia-irmã de origem indígena, Nalu (Lian Gaia). Com ela, Cleo descobre um segredo perturbador, despertando memórias fragmentadas. Apesar das diferenças, as irmãs se aliam e mergulham nas entranhas da weep web para investigar Tony (marido de Cleo, vivido por Sérgio Guizé), que esconde um macabro passatempo. O clima de mistério dessa dramaturgia sufocante é amplificado na aeróbica de enquadramentos da fotografia de André Guerreiro Lopes (num primor de domínio técnico). Duas montadoras, Karen Akerman e Karen Black, rolam a bola da edição numa voltagem eletrizante, preservando a inquietação existencialista que Djin trouxe de seu longa anterior, esboçando identidade autoral. Há suspense, mas há vazantes espirituais.
Djin fala ao Correio das bases simbólicas de seu exercício pelas veredas do mistério. É uma imersão pela tensão que parece Brian De Palma, mas bate cabeça para os orixás do cinemão da Boca do Lixo.
"Eclipse" acende uma luz de cinema de gênero no teu histórico de criação. Tem muito suspense nele, ainda que a sua aquarela de abordagens humanistas vá além de filões. Mas o que existe de conexão com o thriller?
Djin Sganzerla - No domingo, tive a alegria de exibir "Eclipse" na Mostra, em sua primeira sessão, no CineSesc. Foi uma sessão lotada, e foi interessante perceber o desconforto, a tensão e o envolvimento do público durante a exibição. Muitas pessoas comentaram que ficaram hipnotizadas pela trama, que a tensão as prendeu do início ao fim. Isso foi algo que construímos conscientemente, quase como uma partitura. Eu queria que o filme provocasse essa reação física, mas que ela viesse acompanhada de uma reflexão mais profunda. Quis fazer um thriller, talvez até ouse chamá-lo de um thriller social, se é que podemos usar esse termo. Escrevi o roteiro ao lado de Vana Medeiros, com o desejo de construir um filme de gênero, mas sem abrir mão de uma abordagem humanista, que talvez seja uma marca do meu olhar como diretora.
De que maneira dirigir mudou a tua forma de atuar e de lidar com o tempo das narrativas?
Dirigir foi um passo a mais na minha trajetória. Sempre fui uma atriz muito entregue aos personagens. Quando estou apenas atuando, direciono toda minha energia para a construção daquele papel. Talvez, nesse sentido, atuar sem dirigir seja até mais prazeroso. Mas, como sinto uma necessidade muito forte de olhar o todo, de também dirigir, algo que me realiza profundamente, fui encontrando formas distintas de lidar com esse acúmulo. Acredito que a direção mudou, sim, a minha forma de atuar, especialmente porque, quando estou dirigindo, tenho muito menos tempo para me preparar como atriz do que teria em um projeto em que apenas atuo. O tempo se torna mais precioso. Por outro lado, nos filmes que dirijo, a história já tão está dentro de mim, em todas as camadas - uma vez que escrevi o roteiro e visualizei cada cena - que a atuação acaba se encaixando de forma natural nesse processo.
Você e sua irmã, Sinai Sganzerla, têm uma fraternidade das mais harmônicas da condução dos projetos ligados à memória dos seus pais. Como é a sinergia de vocês?
Sinai é uma excelente profissional, gosto muito dos filmes dela. Criamos nossos trabalhos com liberdade, cada uma seguindo aquilo que mais lhe interessa.
O que tem de Helena Ignez e de Rogério Sganzerla na sua forma de dirigir?
Acho que o que levo deles é essa dedicação total, quase obsessiva, àquilo que está sendo criado. Quando começo um filme, ele toma conta de mim por completo. É como se tudo em mim passasse a vibrar na frequência daquele universo. Essa obsessão também se manifesta nos detalhes, em cada etapa da criação e no cuidado com o processo como um todo. Do meu pai, acredito ter herdado uma delicadeza particular na direção de atores, uma clareza sobre o que desejo alcançar, conduzida com gentileza. Ele tinha um profundo respeito e admiração pelos atores. Aprendi com eles a estar sempre aberta ao que acontece no momento da filmagem, ao acaso, aos imprevistos. Acredito muito na possibilidade de transformar erros em acertos; de acolher o inesperado como parte viva da criação. Muitas vezes, os momentos mais potentes nascem justamente dessa abertura ao não planejado. Talvez, de maneira orgânica, desenvolvi uma visão de direção que está ligada à produção. Penso a direção considerando o todo.