Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Sempre teremos São Paulo

Paul Mescal e John O'Connor encarnam uma paixão cheia de interditos em 'A História do Som', longa de Olver Hermanus | Foto: Divulgação

Metrópole associada ao progresso industrial é um espaço histórico para o sucesso comercial de filmes de amor como 'A História do Som', candidato a fenômeno popular da Mostra

 

Vai ter gente saindo pelo ladrão da Cinemateca Brasileira na tarde desta segunda-feira para conferir os beijos trocados pelos personagens de Josh O'Connor e Paul Mescal em "A História do Som" ("The History of Sound"), que será exibido às 17h30 pela Mostra de São Paulo. Há mais uma projeção agendada para quinta-feira (23), às 16h30, no Multiplex Playarte Marabá, e ela vai lotar. Há uma expectativa tamanho GG pelo novo filme do sul-africano Oliver Hermanus, que arrancou uma interpretação devastadora de Bill Nighy em "Viver" (2022). O apelo não se dá só pelo prestígio do diretor. É uma tradição dos paulistanos abraçar as narrativas de amor sofrido - mais até do que as telas do Rio. Por lá, longas como "Um Homem, Uma Mulher, Uma Noite" (1979); "Em Algum Lugar Do Passado" (1980); e "P.S.: Eu Te Amo" (2008) ficaram meses a fio em cartaz. Espera-se que o doído romance de Hermanus tenha destino similar e amplie o público pagante da maratona paulista.

Indicado à Palma de Ouro de Cannes, "A História do Som" se filia a uma tradição inglesa da love story empacada por impasses da moral e da História (leia-se "guerras"), numa genealogia que vai de David Lean ("Desencanto") a James Ivory ("Vestígios do Dia"). Ao longo de suas 2h07', acompanhamos os rumos truncados de dois estudiosos de música obcecados por uma canção folclórica, num jogral pelo Tempo que vai de 1920 até 1980. Chris Cooper, ator luminoso, dá uma ajuda e tanto no eixo final, ao dividir um personagem com um Paul Mescal inspirado.

Baseado em conto homônimo de Ben Shattuck, que assina o roteiro, "A História do Som" é o inventário das cicatrizes de uma paixão abatida pelo preconceito e pela incapacidade de aceitação de seus pares. As teclas de um piano são o ímã com que David (Josh O'Connor) magnetiza Lionel (Mescal) ao esbarrar com ele, em 1917, no Conservatório de Música de Boston, ao fim da I Guerra Mundial. A paixão é instantânea, cevada pelo ardor de ambos pela triagem do cancioneiro popular e por um tesão imparável. Um é filho do Velho Mundo. O outro é americano e da zona rural. As origens distintas geram choque. A pobreza, também. Essas contradições levam os dois a um distanciamento (de corpos, nunca de almas) e a narrativa (austera do início ao fim) guia-se por Lionel.

Ele é a linha mais harmónica, de hábitos ordeiros, diferente da verve indómita de David. Vemos o seu caminha até à velhice, quando Mescal dá lugar a Cooper. Até lá perfuma-se a memória com cheiros de "O Segredo de Brokeback Mountain" (Leão de Ouro de 2005).