A Mostra de São Paulo e o Rio Fantastik celebram o legado do diretor mexicano que faz da fantasia a argamassa de seu cinema autoral
Tem "Frankenstein" esta noite, às 20h50, na Cinemateca Brasileira, no arranque da Mostra de São Paulo, com projeções ainda no sábado (às 18h15, no Multiplex Playarte Marabá) e segunda (às 20h, no Cinesesc), sintonizando a maratona cinéfila da maior metrópole do país com a obra de Guillermo Del Toro. Nesta terça, às 20h30, o legado do artesão autoral mexicano ganhou telas na programação do Rio Fantastik, que mobiliza o Estação NET Botafogo 2 com uma exibição de "A Forma da Água", o ganhador do Leão de Ouro de 2017. Essa dupla participação, na ponte área RJ e SP, mobiliza as atenções das suas maiores metrópoles do país acerca de uma estética de gênese latino-americana que encantou Hollywood.
Superprodução de US$ 120 milhões com a grife da Netflix, "Frankenstein" estreou no fim de agosto no Festival de Veneza, na disputa pelo Leão de Ouro. Assim que começou a desenvolver "Pinóquio", que lhe rendeu o Oscar de Melhor Animação em 2023 (e hoje está em streaming), o cineasta comparou o boneco de pau chegado a uma mentirinha ao Prometeu da autora Mary Shelley (1797-1851). A analogia vinha do fato de ambos terem sido criados em resposta à carência (e à prepotência demiúrgica) alheia, sendo cobrados por um padrão de conduta que não condiz com a natureza que a Ciência lhes ofereceu.
Nesse regresso de Del Toro à telona, o inventor Victor Frankenstein (Oscar Isaac) cria uma monstruosidade (encarnada pelo ator Jacob Elordi) para satisfazer seu desejo de ser Deus por um dia. A questão é saber que criatura é mais terrível: o ser alimentado por choques elétricos que tal cientista criou ou ele mesmo, Victor, em sua despótica ambição.
"Este filme conclui uma pesquisa que, para mim, começou nos meus sete anos, quando vi pela primeira vez os filmes de Frankenstein de James Whale. Naquele momento crucial, senti um sobressalto de consciência: o terror gótico tornou-se minha religião e Boris Karloff, o meu Messias. A obra-prima de Mary Shelley está repleta de perguntas que queimam minha alma: perguntas existenciais, ternas, selvagens, sem saída, como só uma mente jovem pode fazer e às quais apenas os adultos e as instituições acreditam poder responder. Para mim, porém, apenas os monstros detêm a resposta para todos os mistérios. Eles são o mistério", poetiza Del Toro em depoimento ao site do festival veneziano.
Com "A Forma da Água", que regressa ao alcance da cinefilia carioca via Rio Fantastik com exibição na próxima terça-feira (21), Del Toro ganhou as estatuetas Melhor Filme e Melhor Direção na festa do Oscar de 2018. Á época, essa produção, orçada em US$ 20 milhões, faturou cerca de nove vezes mais, contabilizando US$ 195 milhões. Exibido na abertura do Festival do Rio de 2017, o longa faz uma celebração da força pop da fábula. Conhecido por "Scaramourche", Rafael Sabatini dizia que "nos momentos em que o mundo se mostra louco, o herói é aquele que mantém o senso de humor". Pois "The Shape of Water" (seu título original) é bem-humorado, porém sua dimensão fabular fala mais alto do que seu potencial cômico. É um ensaio sobre o lugar essencial do "Era Uma Vez..." em tempos de colapso moral. E faz essa ode à Carochinha em forma de história de amor. Pode existir algo mais transgressor? Sua vitória na festa da Academia de Hollywood simbolizou uma vitória da fabulação em dias de saturação do Real e de hibridismo documental. Trata-se de uma investigação sobre o lugar da fábula como bunker de resistência para os esvaziamentos simbólicos e o sucateamento da moral. É uma mistura de "Splash - Uma Sereia em Minha Vida" com "O Monstro da Lagoa Negra". Na trama, uma faxineira de um laboratório secreto (Sally Hawkins) se apaixona por um tritão capturado em águas amazônicas.
É o padrão Del Toro de transgredir mesmices. Ele volta a ser reverenciado pela Mostra de São Paulo com uma projeção de seu "Cronos", de 1992, neste sábado, no Reserva Cultural, às 14h40.