Ganhador do Prêmio do Júri de Cannes, longa espanhol abre nesta quarta a 49ª Mostra de São Paulo, à luz da transcendência política do diretor Oliver Laxe, que renova a filmografia ibérica
Acabado o Festival do Rio, é tempo da Mostra Internacional de São Paulo e com ela, é tempo de "Sirât", longa que pode trazer um Oscar para a Espanha. Sua projeção no abre-alas da maratona paulistana será nesta quarta, na Sala São Paulo. As atrizes Stefania Gadda e Jade Oukid, que atuam no filme, estarão presentes. Haverá mais três chances para o público brasileiro conferir a joia do diretor Oliver Laxe, que saiu de Cannes com o Prêmio do Júri. Quinta, às 18h, a Cinemateca exibe o longa no que promete ser um dos mais disputados acontecimentos do festival paulistano. No dia 22, às 20h15, ele passa no Cinesesc, e no dia 24, às 14h, é a vez de ele ocupar o Multiplex Playarte Marabá.
Desde sua primeira exibição mundial, nas telas de Cannes, tendo os irmãos Agustín e Pedro Almodóvar entre seus produtores, "Sirât" ganhou status de "filme obrigatório" por apostar num casamento (raro) de transcendência espiritual e experimentação formal ao falar de perdas e reconfigurações. É político em sua radiografia da falta de pertencimento entre as populações da Europa que não se rendem a regras históricas do capitalismo. Tratado como um dos favoritos à Palma de Ouro de 2025 desde sua projeção inicial, deixou a Croisette sob a bajulação da crítica e correu por eventos de respeito como o Festival de San Sebastián. Passou por lá feito trator, com a força que ganhou depois de ter sido escolhido pela Espanha como seu representante oficial na corrida por uma vaga na briga pelo Oscar. É com essa aura que chega a São Paulo. O Festival do Rio refestelou-se com muitos bons títulos espanhóis, como "Romaria", de Carla Simón; "Minha Amiga Eva", do campeão de bilheteria Cesc Gay; e "Surda", de Eva Libertad, que brilhou na Berlinale. É a vez de Laxe.
Para o público de Essepê, o nome "Sirât" é associado a uma tietagem na linha "já ganhou" quando se fala de seu destino rumo ao Oscar. Cerca de uma semana após o fim da maratona cinéfila da Côte d'Azur, sites e revistas estrangeiras seguem a incensar sua dramaturgia de tons existencialistas, enquadrando-a como um dos longas-metragens mais possantes do ano. Uma enquete organizada pelo jornalista Christian Blauvelt para a "IndieWire", com 48 críticos estrangeiros, elegeu-o como "O" melhor de Cannes, incluindo "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, em quinto lugar em seu pódio. Laxe também foi citado na votação de Melhor Roteiro. Ninguém nessa votação ignorou "Foi Apenas Um Acidente", que rendeu a Palma ao iraniano Jafar Panahi. Essa produção aliás faz parte da Mostra e foi escolhida pela França, que o coproduziu, para ser sua emissária na Academia de Hollywood. Panahi é respeitado pela imprensa com unanimidade, por sua obra, por sua vivência da brutalidade institucional de sua pátria e pela poesia em seu modo de narrar. Ele entrou na lista montada por Blauvelt, mas ficou atrás de Laxe, que renovou seu prestígio e a atual fase de excelência da Espanha na telona.
Depois de ter interrompido seu ciclo de longas no Marrocos ("Mimosas"; "Todos Vós Sodes Capitáns") para filmar "O Que Arde" (Prêmio do Júri na mostra Un Certain Regard de 2019) na sua Galícia natal, Laxe retornou aos desertos do norte da África para um périplo que começa numa micareta de música eletrônica e passa por um chão de minas explosivas, numa triagem de violências históricas. Insiste, contudo, que sua mirada não é de desesperança. "Parece que temos um horizonte duro, mas ele, no fundo, é protetor, o que exclui a solidão, sempre estamos acompanhados. O filme mostra que quando o indivíduo se fratura ele se instaura num lugar do coletivo", disse o realizador ao Correio da Manhã em Cannes. Capaz de ser radical e melífluo ao mesmo tempo, numa realização ousada, "Sirât" é batizado em referência a um percurso de fé: "Esse nome se refere ao caminho que liga o Inferno ao Céu, como se fosse um espaço de transformação", diz Laxe.
Tudo começa com uma rave no Marrocos, num espaço desértico de rocha e areia. Amalgamada à fotografia de Mauro Herce, a engenharia de som consegue transportar o público para aquela paisagem numa fricção sinestésica.
"Amo a cultura rave e queria partir dela para cruzar o limite do que é humano ao seguir uma figura que confronta com o abismo. Tenho uma equipe fiel, uma família, que está sempre comigo na construção dos meus filmes. Eles são, sim, complicados de fazer", confessou Laxe ao Correio. "É um filme que se desmaterializa ao passar do bate-estacas da música techno a uma instância quase celestial de esoterismo".
Na trama de "Sirât", um pai (Sergi López) e o filho chegam a uma rave perdida nas montanhas do sul do Marrocos. Eles estão à procura de Mar - filha e irmã - que está desaparecida há vários meses numa dessas festas intermináveis. Imersos na melodia bate-estaca e numa liberdade crua que lhes é estranha, eles distribuem incansavelmente a foto dela à espera que alguém a reconheça. A esperança vai-se esvaindo, mas eles perseveram e seguem um grupo de ravers para uma última festa nas montanhas. À medida que se aprofundam na imensidão escaldante, a jornada leva-os a confrontar os próprios limites.
Vai ter Mostra de São Paulo até 30 de outubro, com 374 filme de 80 países.