'A Própria Carne' oferece ribalta a um dos maiores dubladores do Brasil, Luiz Carlos Persy, que expõe o talento que o levou a ser a voz de personagens como Don Vito Corleone e Voldemort no país
Ninguém é escalado para dublar Marlon Brando (1924-2004), sobretudo em "O Poderoso Chefão" (1972), se não for um titã da voz, coisa que Luiz Carlos Persy é. Num país que foi alfabetizado na cartilha do audiovisual pela dublagem, qualquer ator que alcance o timbre de atuação desse ex-aluno da Martin Penna deveria estar coroado de prêmios. Só que "dublar" é um verbo cercado de muito preconceito e assombrado pelo avanço da Inteligência Artificial, em ChatGPTs que esboçam fazer astros estrangeiros como Stellan Skarsgård e Bryan Cranston a falar português - mas não com a carga dramática que Persy fala, ao emprestar o gogó aos dois. Atento a isso, o longa-metragem "A Própria Carne", exibido pelo Festival do Rio, fez dele um de seus protagonistas. Ian SBF, realizador com vasta quilometragem em esquetes do Porta dos Fundos, escalou o dublador carioca de 61 anos para viver o Fazendeiro, ferrabrás que acossa dissidentes da Guerra do Paraguai num fim de mundo, do século XIX, que o Diabo faz de casa de veraneio. Quem viu a produção nas telonas da cidade tem a noção do gigante das artes cênicas que existe para além da garganta que dubla Lorde Voldemort na franquia "Harry Potter". Só isso já basta para que este thriller de horror seja encarado como umas das joias da maratona cinéfila carioca e, sem dúvida, um dos melhores filmes nacionais de 2025.
"Na dublagem, eu vou de Gandalf, no vozeirão pesado do Ian McKellen em 'O Hobbit', a um santo, como o Paulo de Tarso, sempre em busca da verdade daqueles personagens. O desafio quando se dubla é a gente não saber o que determinado ator pensou quando compôs aquela figura ali na tela, ou seja, você trabalha a partir de impulsos que não são seus. No cinema, atuando, não. Ali, do roteiro, eu construo a personalidade. Nesse fazendeiro do filme do Ian, o trabalho é fazer com que ele, por mais estranho que seja, pareça real, exista", diz Persy.
Produção ligada ao grupo de mídia Jovem Nerd, "A Própria Carne" segue três soldados desertores (vividos pelos atores Jorge Guerreiro, George Sauma e Pierri Baitelli), nas fronteiras paraguaias, em 1870, até um casarão isolado, habitada apenas por um estancieiro misterioso (Persy) e uma jovem (Jade Mascarenhas). O que parecia ser um abrigo se transforma em um abraço do Demo, conforme o trio descobre os segredos macabros daquele local. Vinícius Brum assina a fotografia desse delírio que leva o rosto de Persy de volta à telona. Há 21 anos, ele fez uma dobradinha à la Bebeto e Romário com Fernanda Montenegro em "O Outro Lado da Rua", filme de Marcos Bernstein. Dublando, ele empresta brasilidade a Javier Bardem, Sam Elliott, Mickey Rourke, Clive Owen.
"Atuar é esquecer-se de si", diz Persy. "Colocar verdade em cena, na voz, no set, é o que conta".
No dia 30 de outubro, "A Própria Carne" estreia, exclusivamente na rede Cinemark.