Sensação de San Sebastián, o thriller 'Balada de um Jogador', com Colin Farrell, marca a volta do realizador de 'Conclave' às telas cariocas
Em outubro do ano passado, quando a morte do Papa Francisco sequer era uma hipótese, Edward Berger fechou a programação do Festival do Rio com um thriller sobre eleição papal, "Conclave", que virou blockbuster (US$ 127,6 milhões) e ganhou o Oscar. Dois anos antes, seu lar no Brasil foi a Mostra de São Paulo, onde projetou "Nada de Novo no Front" em telonas paulistas antes de seu épico sobre a I Guerra estrear na Netflix. Em 2025, a maratona cinéfila carioca terá o realizador suíço de regresso à sua programação com um convite ao Oscar para Colin Farrell: "Balada de um Jogador".
Tem sessão dele nesta quinta (9), às 18h45, no Reserva Cultural Niterói 2, no domingo (12), às 21h45, no Estação NET Gávea 5, em meio ao apagar das luzes da programação. A produção veio cacifada pelos festivais de Toronto (TIFF) e de San Sebastián, onde concorreu à Concha de Ouro apoiado na exuberância de seus enquadramentos da jogatina em Macau.
O Colin Farrell que aparece nessa produção vem de uma bateria de interpretações recentes de prestígio, a começar da conquista do troféu Copa Volpi com "Banshees of Inisherin" no Festival de Veneza de 2022. Sua popularidade cresceu ainda no streaming com as séries "Pinguim", da HBO Max, que lhe deu o Globo de Ouro, e "Sugar", da Apple, na qual foi dirigida pelo paulista Fernando Meirelles.
"Atuar é multiplicar as nossas experiências pessoais pela imaginação. Conversei com jogadores de Macau para construir a minha personagem, até porque o jogo nunca foi um dos meus vícios. Já destruí a minha cabeça e o meu corpo, mas não a minha conta bancária", disse Farrell à imprensa em San Sebastián, assumindo seu histórico com o álcool.
Idealizado para a Netflix, onde estreia em 29 de outubro, "Ballad of a Small Player" (título original) é a adaptação de um livro homônimo de Lawrence Osborne na qual Farrel está a cara do mítico David Niven (1910-1983), que viveu uma versão farofa de James Bond em "Cassino Royale", em 1967 (não confundir com o longa de mesmo nome com Daniel Craig, de 2006).
"A semelhança vem do bigodinho", brincou Berger em entrevista ao Correio da Manhã em San Sebastián, onde o longa teve uma acolhida calorosa da crítica. "Fico feliz de ouvir que 'Balada de um Jogador' é eletrizante, pois Macau é assim... elétrico. Talvez seja o território mais barulhento e o mais colorido deste mundo, e toda essa atmosfera foi levada para o filme, na certeza de que não estávamos diante de uma cidade fácil de ser enquadrada. Existem locais da Ásia como a Tailândia e Singapura onde também existem casinos, mas nada como Macau. Por isso, fui buscar referências visuais do cinema de diretores como Johnny To e Wong Kar Wai para criar a narrativa", afirmou o cineasta ao Correio.
Sobre a escolha de Farrell, Berger é irônico ao espetar a fleuma do Velho Mundo: "Era curioso ver um irlandês a interpretar um aristocrata britânico".
A trama que promete fazer o público do Festival do Rio quicar nas poltronas acompanha Lorde Doyle, um aristocrata arruinado que se afoga em dívidas de jogo, levado pelos impulsos da ludopatia. A compulsão pelo jogo é a sua desgraça, mas o roteiro de Rowan Joffe não se limita a chorar mágoas: endividado até à espinha, Doyle deseja sair de cena de cabeça erguida. "Doyle é uma alma perdida, com uma bússola moral que já não existe, sob a pressão de um vazio na sua existência", disse Farrell em San Sebastián.
Com credores no seu encalço, Doyle refugia-se em Macau, passando dias e noites nos casinos, a beber vodka e a jogar os trocos que lhe restam. Uma ajuda inesperada surge de Dao Ming (Fala Chen), funcionária da casa de jogo que mais frequenta, reacendendo instintos adormecidos. Mas cada passo seu é seguido por Cynthia Blithe, investigadora privada (interpretada por uma Tilda Swinton mais contida, mas afetuosa), determinada a cobrar-lhe as dívidas. Apesar da ciranda de perigos, magnificamente amplificada pela direção de fotografia exuberante de James Friend, Doyle não abdica do verbo "tentar".
"Quis dar às plateias uma dimensão propositiva de esperança", disse Berger.
O Festival do Rio termina neste domingo, com a entrega de prêmios da Première Brasil, que confere hoje "Ato Noturno", de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, um thriller queer de CEP gaúcho, que fez barulho na Berlinale, em fevereiro. O concorrente ao troféu Redentor de Melhor Documentário a ser projetado esta noite é "Honestino", de Aurélio Michiles, sobre o movimento estudantil na ditadura militar. Até o momento, entre os concorrentes já exibidos, "Cyclone", de Flavia Castro, é o que tem a torcida mais forte, ao lado de "A Vida de Cada Um", de Murilo Salles.