Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Um 'filme delicinha' à luz de Brendan Fraser no Festival do Rio

Família de Aluguel | Foto: James Lisle/Divulgação

Renascido das cinzas depois de 'A Baleia', ator pode disputar o Oscar mais uma vez com uma 'sessão da tarde' rodada no Japão, 'Família de Aluguel', que passa hoje na maratona cinéfila carioca

 

Pavimentada sob o faz de conta, Hollywood estoura rojões quando fareja um comeback, jargão da indústria audiovisual para a reconfiguração de carreiras que embotaram seja por polêmicas, seja por escolhas infelizes. É o caso de Brendan Fraser, que tem assegurado ao Festival do Rio uma das interpretações mais doces (e contagiantes) da programação do evento em "Família de Aluguel" ("Rental Familiy"). Tem sessão dele nesta quarta-feira, às 19h, no Cinesystem Belas Artes, e mais um par de projeções no fim de semana: sábado, às 16h15, no Reserva Cultural, e domingo, às 17h15, no Estação NET Gávea. Cada vez que essa produção é exibida as apostas no Oscar para sua trajetória futura aumentam, com o astro de 56 anos no radar. A consagração de seu desempenho em "A Baleia" (hoje na Netlix), em 2022, com direito a ganhar a estatueta da Academia de Artes de Ciências Cinematográficas, redefiniu sua relevância na cultura pop, onde ele despontou como uma garantia de sucesso na década de 1990, derrapando fragorosamente há 20 anos cravados, depois de participar de "Crash: No Limite".

"Gosto de trabalhar com cineastas que tenham uma visão precisa do que esperam do set e me interesso pelo mecanismo da fábula moral de redenção", disse Fraser ao Correio da Manhã no Festival de Tribeca, quando roubou a cena de gigantes como Don Cheadle e Benicio Del Toro em "Nem Um Passo Em Falso" (2021), de Steven Soderbergh, vindo de um longo ocaso.

Exibido no Festival do Rio no domingo, no Kinoplex São Luiz, "Família de Aluguel" traz Fraser no apogeu de sua maturidade num equilíbrio fino entre riso e pranto no papel de um ator falido que vive no Japão e, numa Tóquio repleta de desconexões, vira operário numa agência que forja "parentescos"... e afetos. É assim: se uma pessoa está solitária e sonha ter um "parente" para chamar de seu, ela aluga os serviços dessa companhia que providencia alguém para se passar como um primo distante e até uma figura paterna há muito sumida.

Phillip Vandarploeug, o tal ator encarnado por Fraser, é escalado pela tal agência para se passar pelo pai de uma garotinha... para ser o noivo postiço de uma jovem que ainda não pode sair do armário... para ser o entrevistador de uma lenda do cinema. Essas aventuras sentimentais são dirigidas com delicadeza pela realizadora Mitsuyo Miyazaki, conhecida apenas como Hikari. A fotografia de colorido primaveril de Takurô Ishizaka imprime leveza ao visual de um filme que se candidata a êxito popular, calçado na precisão de Fraser em humanizar o arquétipo do looser. É uma evocação à estética de cineastas autorais como Frank Capra (de "A Felicidade Não Se Compra") só que multicultural, deliciosamente engraçado.

Essa persona do desterritorializado que ajuda uma gente muito só a se sentir querida refina o percurso que Fraser fez ao retomar os trilhos de sua profissão, com a qual havia perdido o elã. "A Múmia" (1999) fez dele um astro. "Viagem ao Centro da Terra" (2008) lotou de brasileiros afoitos por vê-lo. A escolha do popularíssimo dublador Guilherme Briggs para ser sua voz oficial no Brasil aumentou ainda mais sua fama. Contudo, um turbilhão de crises pessoais, somadas a escolhas de filmes equivocados, levou-o ao ostracismo de 2010 em diante, com exceção de uma participação dele como a voz do Homem-Robô na série "Patrulha do Destino", da HBO Max. Sua vida perdeu o viço do passado. Aí veio "A Baleia", três anos atrás. De cara, esse drama sobre um professor de Redação com obesidade em alto grau, às voltas com a morte anunciada, encantou o Festival de Veneza, que lhe rendeu uma indicação ao Leão de Ouro. No caminho, a Academia de Hollywood achou que era hora de Fraser vicejar outra vez, ao ver do que ele foi capaz de fazer numa longa que enfrenta a gordofobia, a homofobia e uma série de outras violências para celebrar a serenidade.

Agora, com "Família de Aluguel" a confiança que o cinemão depositou nele foi devidamente justificada. Temos, enfim, o primeiro "filme delicinha" deste Festival do Rio, graças ao empenho de Fraser, que renasceu e segue, feito Fênix, a voar.