Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

No Festival do Rio todas as telas levam ao Brasil

Presente como atriz em grandes sucessos nacionais de bilheteria, Glória Pires estreia na direção em 'Sexa' | Foto: Divulgação

Num ano em que nuestras naciones hermanas vivem um momento de esplendor nas mostras competitivas do mundo, com hits do Chile ("O Olhar Misterioso do Flamingo"), da Colômbia ("Um Poeta") e do Equador ("A Hera") já assegurados pelo Festival do Rio, a edição nº 27 da maior maratona cinéfila do país contabiliza 124 produções brasileiras. Tem vozes autorais das gerações mais distintas (de Aurélio Michiles e Murilo Salles a Milena Manfredini e Cintia Domit Bittar) no rol de títulos que concorrem ao troféu Redentor de 2025 no evento.

Até o prêmio de júri popular, que andava sumido, volta a ser aplicado a produções competidoras da Première Brasil deste ano, que tem um sortimento de joias fora de concurso também. Como não falar de "O Agente Secreto"? É o nosso ímã de Oscars, galardoado com os prêmios de Melhor Direção (para Kleber Mendonça Filho) e de Melhor Ator (para Wagner Moura) pelo júri oficial de Cannes, em maio.

Terça-feira que vem, ele terá uma gala no Odeon, às 21h30, com projeção na quarta, nesse mesmo horário, no Estação NET Botafogo 1. Há outras pepitas de nossos estados no menu nacional do evento, como é o caso do título que marca a estreia de Gloria Pires na direção de longas: "Sexa". A noite para vê-lo é a desta sexta (3), às 19h30, no Odeon, com sessão no Reserva Cultural de Niterói neste sábado, às 19h. No domingo rola vê-lo às 21h30, no Cinesystem Belas Artes. Gloria é Bárbara, que, aos 60 anos, está indignada com as injustiças do envelhecimento. Depois de seu último romance, ela abre mão do amor para ter uma boa relação com o filho, que a vê como uma idosa recatada e do lar. Apesar desse rótulo, Bárbara quer tirar as caixinhas em que a depositaram do lugar. Para isso, vai conjugar o verbo "amar".

Brasilidade nas telas

A Própria Carne | Foto: Divulgação

Tem muito amor envolvido na seleção que Ilda Santiago e Walkíria Barbosa, as diretoras do Festival do Rio reservaram para a cidade na sua esquadra de brasilidades. Dicas? Aí vão:

A PRÓPRIA CARNE, de Ian SBF: Ninguém é escalado para dublar Don Vito Corleone (Marlon Brando) na versão brasileira de "O Poderoso Chefão" (1972) se não tiver um talento de titã, como Luiz Carlos Persy tem. É hora desse dublador e locutor do Canal Brasil ter espaço nobre num filme. Nesta trama do diretor de "Entre Abelhas" (2015), três soldados desertores durante a Guerra do Paraguai, em 1870, cada um lutando pela sobrevivência à sua maneira, encontram uma casa isolada na fronteira, habitada apenas por um fazendeiro misterioso e uma jovem. O que parecia ser um refúgio seguro se transforma em um pesadelo aterrorizante quando os soldados descobrem que a casa esconde segredos macabros, confrontando-os com um destino ainda mais horrível do que a guerra da qual fugiram. Vinícius Brum assina a fotografia.

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As Vitrines | Foto: Divulgação

AS VITRINES, de Flavia Castro: Representante nacional em no Festival de Biarritz, na França, há uma semana, esta produção forma com "Diário de uma Busca" (2010) e "Deslembro" (2018) o puzzle histórico (e biográfico) de sua realizadora em relação ao jugo ditatorial das Américas. A narrativa se instala no Chile, em 1973, logo após o golpe militar de Pinochet, quando centenas de militantes de esquerda se refugiavam na embaixada da Argentina, à espera de um visto para poder sair do país. Para Pedro (12) e Ana (11), ali alojados, esse confinamento forçado se torna um parêntesis no tempo. Flavia concorre ao Redentor deste ano com "Cyclone".

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Cadernos Negros | Foto: Divulgação

CADERNOS NEGROS, de Joel Zito Araújo: Um dos pilares da luta antirracista no audiovisual das Américas, famoso por ficções como "Filhas do Vento" (2004) e "O Pai da Rita" (2021), volta a se embrenhar pela não ficção, evocando a prosa de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), para contar a história da séria literária criada em 1978 em São Paulo. É um olhar para a peleja da população negra para afirmar sua voz na arte da escrita.

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Os Quatro Exílios de Herbert Daniel | Foto: Divulgação

OS QUATRO EXÍLIOS DE HERBERT DANIEL, de Daniel Favaretto: Super-heroína na luta em prol do bem-estar de quem vive com HIV, a doutora Marcia Rachid é uma das vozes que asseguram vigor crítico (e altruísmo) à dramaturgia deste retrato do escritor, sociólogo, jornalista e ativista que foi uma figura central na busca de direitos para quem lutou (e luta) com a Aids.

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Querido Mundo | Foto: Divulgação

QUERIDO MUNDO, de Miguel Falabella e Hsu Chien Hsin: Malu Galli ganhou o Kikito de Melhor Atriz em Gramado por esta fábula em P&B que registra a maturidade plena de seu fotógrafo, Gustavo Hadba, na arquitetura de luz. O mesmo vale para a artesania de Plínio Profeta com a música. Falabella partiu de uma peça de sua autoria para retomar a estética do desassossego de seu subestimado "Veneza" (2019) e retratar um amor que - como todo bom e definitivo benquerer - nasce por acaso. No acaso, uma aspirante a arqueóloga (Malu) e um engenheiro fracassado (Eduardo Moscovis) passam a noite do Ano Novo nos escombros do que deveria ser um condomínio de conforto na Zona Sul do Rio. O Cupido vai estourar rojões.

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Perto do Sol É Mais Claro | Foto: Divulgação

PERTO DO SOL É MAIS CLARO, de Régis Faria: Responsável pela direção da pornochanchada inicial de nossa comédia erótica, lá em 1969 ("Os Paqueras"), Reginaldo Faria é um ator de raro carisma, vide "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia" (1977) e o desempenho como o escroque Marco Aurélio em "Vale Tudo" versão 1988. Já octogenário, ele esbanja viço no papel de um engenheiro de 85 anos abalado com a perda recente de sua esposa, que opta por seguir em frente. A narrativa nos guia por sua rotina solitária, mostrando o apoio dos filhos e sua determinação em escrever um livro. Uma paixão inesperada vai alterar sua rotina.

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Safo | Foto: Divulgação

SAFO, de Rosana Urbes: Gema preciosa da animação autoral que nos rendeu prêmio no Festival de Annecy. É um ensaio sobre a força feminina inspirado na vida e obra da poeta que viveu na Ilha de Lesbos por volta de 600 a.C. e virou um ícone do lirismo.

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As Dores do Mundo | Foto: Divulgação

AS DORES DO MUNDO: HYLDON, de Emílio Domingos e Felipe David Rodrigues: Por que não uma musiquinha para machucar os corações? Hyldon é perfeito para isso. Seu primeiro álbum, "Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda" chegou aos 50 anos e tem status de clássico na MPB. Uma série de canções compostas por ele, inspiradas em histórias reais, revelam o soul romântico de um dos nossos maiores compositores, parceiro de Cassiano e Tim Maia. O documentário segue o trajeto do menino do sertão da Bahia ao jovem no topo das paradas de sucesso.

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Para Vigo Me Voy | Foto: Divulgação

PARA VIGO ME VOY!, de Karen Harley e Lírio Ferreira: Batizado em referência ao bordão de Lorde Cigano (José Wilker), mambembe de "Bye Bye Brasil" (1980), a produção ganhadora da menção honrosa da disputa de documentários de Gramado estreia, enfim no Rio, depois de ter emocionado a Croisette, na mostra Cannes Classics, com memórias de Carlos Diegues (1940-2025). Uma queda nos sets de "Deus Ainda É Brasileiro", filmado em 2022 e ainda inédito, é um registro de uma finitude física que encurtou a permanência de um de nossos mais ativos cineastas. Sequências de um debate dele na França, em 1985, são um achado.

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Anos 90: A Explosão do Pagode | Foto: Lucas Seixas/Divulgação

ANOS 90: A EXPLOSÃO DO PAGODE, de Emílio Domingos e Rafael Boucinha: Brincadeira de criança, o jogo da "salada mista" explodiu na rádio ao mesmo tempo em que as casas de show do Rio de Janeiro queriam "dar uma chicotada na barata". A geração noventista pagodeou de tudo que foi jeito. Este .doc é um retrato do que ficou dessa era.

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Rua do Pescador nº 6 | Foto: Divulgação

RUA DO PESCADOR Nº 6, de Bárbara Paz: A atriz e diretora gaúcha, apoiada numa montagem frenética de Renato Vallone, revive o desastre climático em Porto Alegre, em 2024, construindo um filme-catástrofe de dar inveja a qualquer "Twister" de Hollywood. Ela vai atrás de pessoas que sobreviveram e se reinventaram. A sequência da luta de um cachorro para não ser engolido pelas águas é de roer unhas até o sabugo.

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Um Teatro em Construção | Foto: Divulgação

Gláucio Gill - Um Teatro em Construção, de Lea Van Steen e Rafael Cardoso: A charmosa sala de espetáculo de Copacabana, na saída do metrô Cardeal Arcoverde, celebra seus 60 anos de existência com um gesto de reconstrução simbólica em forma de filme. Durante a reforma entregue no início de 2025 pelo Governo do Estado, uma ausência inquietante veio à tona: não havia um acervo histórico organizado que reunisse cartazes, fotografias, programas e depoimentos das inúmeras montagens que passaram por ali. Dessa constatação nasceu uma verdadeira caçada cultural. Essa gincana inspirou um exercício cinematográfico de afeto.

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O Homem de Ouro | Foto: Divulgação

O HOMEM DE OURO, de Mauro Lima: Citado com licenças poéticas em sucessos como "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia" (1977), "República dos Assassinos" e "Eu Matei Lúcio Flávio" (ambos de 1979), Mariel Araújo Mariscöt de Mattos (1940-1981) entrou para a posteridade na História do Brasil pelas páginas policiais, na fronteira entre o anti-heroísmo populista do vigilantismo e a corrupção. É o signo do chamado Esquadrão da Morte, braço legalizado da execução sumário nos tempos da ditadura. Foi salva-vidas, foi agente da Lei, foi segurança na noite, foi contraventor... é mito. Foi morto quando estava chegando para uma reunião com chefões do jogo do bicho, debelado por uma submetralhadora automática Ingram M11. Portava duas pistolas - uma com calibre 45 e uma 6.35 - que não teve tempo de sacar. Alguns dos episódios mais tensos de sua vida inspiraram este "Máquina Mortífera" com Renato Góes.