Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Jurada da competição oficial de Veneza deste ano, Fernanda Torres arrebatou o Lido em 2024 no longa-metragem responsável por render ao Brasil seu primeiro Oscar, "Ainda Estou Aqui" (hoje acessível no Globoplay), que tão logo finalizou o compromisso com a terra das gôndolas, de onde saiu com a láurea de Melhor Roteiro, zarpou para outro festival, também de tamanho GG, para o qual se destinam os achados do Lido: San Sebastián.
Historicamente, estandartes venezianos deixam para trás os vaporettos (o ônibus aquático italiano) e partem para a terra dos pintxos. É esse o nome usado para saborosos acepipes que combinam presunto, peixes, queijo, pimenta, pão e outras guloseimas, sendo reconhecidos como patrimônio gastronômico da cidade do norte da Espanha que sedia uma das mostras competitivas mais respeitadas do audiovisual. Foi ali que o fenômeno nacional de bilheteria de Walter Salles fez seu primeiro pouso na Europa depois de se consagrar em Veneza, disputando o prêmio de júri popular da mostra Perlak (Pérolas).
Essa seção vai acolher o cinema brasileiro de novo, ao projetar o thriller "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, que nasceu em Cannes, em maio. O grosso da programação dessa ala do evento basco - agendado de 19 a 27 de setembro - vem da Itália, sendo que sua vitrine de maior visibilidade internacional, a briga pela Concha de Ouro, costuma ser majoritariamente composta de títulos inéditos.
Veneza faz um intercâmbio de suas miríades com San Sebastián de modo de estender a força do circuito europeu dos festivais para a Oscar Season, a temporada de potenciais concorrentes ao Oscar. Fala-se um bocado em futuras estatuetas hollywoodianas para o diretor grego Yorgos Lanthimos com seu "Bugonia", o queridinho pop da disputa pelo Leão dourado de 2025. Emma Stone, parceira habitual do diretor de "Pobres Criaturas" (2023), vive a CEO de uma empresa suspeita de ser alienígena. Um par de jovens vai raptá-la de modo a testar sua humanidade. San Sebastián há de desfrutar da ironia de Yorgos assim como deve curtir "Le Mage Du Kremlin", do francês Olivier Assayas, que pode dar a Paul Dano o troféu Copa Volpi de Melhor Ator em solo veneziano. Ele vive um cineasta que serve de conselheiro ao jovem Vladimir Putin (Jude Law), com a dissolução da URSS.
Filme de abertura de Veneza, "La Grazia", de Paolo Sorrentino, vai escancarar vivências de Nápoles na Perlak amparado na dobradinha entre seu realizador (oscarizado em 2014 com "A Grande Beleza") e o ator Toni Servillo. O Raul Cortez dos palcos europeus vive Mariano De Santis, o presidente da República Italiana. Viúvo católico, ele tem uma filha, Dorotea, jurista como ele. À medida que o seu mandato chega ao fim, em meio a dias sem incidentes, surgem duas últimas tarefas: decidir sobre dois pedidos delicados de indulto presidencial. Ambos têm em sua essência dilemas morais, que se tornam emaranhados, de maneiras que parecem impossíveis de desvendar, com sua vida privada. Servillo tem força para destronar Dano.
Nesta segunda, o júri de Veneza confere o empenho do campeão de bilheteria Dwayne Johnson, outrora The Rock, para alcançar outro patamar profissional com "Coração de Lutador - The Smashing Machine", sobre o ás dos ringues Mark Kerr. Esse "Rocky Balboa" da luta livre é dirigido por Benny Safdie, cineasta e ator que enfrenta Adam Sandler no recente "Um Maluco no Golfe 2", da Netflix. Aliás, Sandler arrebatou o Lido com seu desempenho como agente de um astro em tempo de frustração encarnado por George Clooney. San Sebastián já assegurou esse longa para si, na já citada mostra Perlak.
Veneza termina neste sábado, com a entrega do Leão de Ouro. Entre os concorrentes mais fortes se impõe o thriller "No Other Choice" ("Eojjeolsuga Eobsda") marca a volta do sul-coreano Park Chan-wook às telas. Responsável por redesenhar a relevância de seu país no audiovisual, à força do sucesso de "OldBoy" (cult de 2004, hoje na grade da MUBI), o cineasta regressa ao écran três anos depois do sucesso de "Decisão de Partir", que lhe rendeu a láurea de Melhor Direção em Cannes, e um ano depois do trabalho conjunto com o diretor paulista Fernando Meirelles na minissérie "O Simpatizante", na grade da MAX. A trama de seu novo projeto - um desempregado passa a matar seus rivais na disputa por uma vaga de emprego - é derivada do romance "The Ax" (1997), de Donald Edwin Westlake (1922-2008), filmada antes pelo franco-grego Costa-Gravas, em 2005, com o título "O Corte".