Responsável por manter a Lituânia em relevo no planisfério cinéfilo a partir de 1992, quando "Trys Dienos" foi premiado na Berlinale, o diretor Sharunas Bartas, hoje com 61 anos, arrisca um regresso ao cinema, após um hiato que vem desde a pandemia, pelas franjas do Festival de Veneza habitualmente acostumada a descoberta de novos talentos: a Giornate degli Autori. A nova produção assinada pelo realizador se chama "Laguna" e se passa na América Latina.
A trama se ambienta na costa do Pacífico do México, terra que Ina Marija escolheu como seu lar antes de morrer prematuramente. Lá, seu amargurado pai e sua irmã mais nova, a menina Una, embarcam em uma jornada refazendo seus passos. Em meio à natureza extraordinária e resiliente dos manguezais — em uma lagoa devastada por furacões, mas que renasce perpetuamente —, eles começam a navegar pelo terreno delicado do luto. É uma observação dos ciclos da natureza, o que demarca a obra de Sharunas desde "Paz Para Nós Em Nosso Sonhos", um cult revelado pela Quinzena de Cineastas de Cannes há dez anos. Nele, há uma sequência antológica: em meio ao desabafo de uma jovem mulher frente à ausência de seu marido, vemos uma aranha acossar e destroçar uma presa.
"Natureza se confunde com a fé no país de onde venho, como um refluxo de cicatrizes que vieram do jugo soviético", disse Sharunas ao Correio da Manhã. "Existe uma noção muito sólida acerca da existência - e da presença - de Deus entre os povos lituanos que eram adultos durante a II Guerra, pois o país possuía um laço direto com as práticas católicas. Religião nem sempre é um sinônimo de transcendência, pelo menos não em tempos de combate".
O Brasil até hoje não encontrou espaço para seu longa anterior, o aclamado "In The Dusk", que concorreu à Concha de Ouro do Festival de San Sebastián em 2020. Apoiado numa fotografia plúmbea, com seu requintado jogo de luz e cores ao recriar a Lituânia dos anos 1940, esse longa dói politicamente no peito dos europeus, em seu olhar marejado para o projeto soviético de nação socialista.
A léguas de ser considerado um "filme de direita", ao filtrar partidarismos, esse drama histórico abre um debate sobre a ocupação de terras lituanas pela União Soviética, e outros delitos de Stalin, em um mundo que se recobrava da II Guerra. Estamos em 1948 e vemos uma nova microfísica de opressão se instalar a partir da vivência de um adolescente. Vivência fraturada pela ameaça de tiros, bombas e fome. "Meu empenho é enquadrar o que há de essencial em quadros de escassez", disse Sharunas.
Nos 128 minutos de "In The Dusk", vemos uma Lituânia rural paupérrima, que treme de frio e de medo do jugo soviético. O jovem Unte, de 19 anos, criado pelo dono de uma chácara, vê seu mundo ruir ainda mais depois que a URSS resolve rebater o movimento de resistência local aos ideais de Stalin.
"Venho de um povo que experimentou a brutalidade em vários campos, uma vez que fomos ocupados por alemães, por russos, pela fome", disse Sharunas. "Não tento nunca dar aulas de História em meus filmes. Tento apenas partilhar o que vivi".
Nesta sexta, Veneza confere o thriller "No Other Choice" ("Eojjeolsuga Eobsda") marca a volta do sul-coreano Park Chan-wook às telas. Responsável por redesenhar a relevância de seu país no audiovisual, à força do sucesso de "OldBoy" (cult de 2004, hoje na grade da MUBI), o cineasta regressa ao écran três anos depois do sucesso de "Decisão de Partir", que lhe rendeu a láurea de Melhor Direção em Cannes, e um ano depois do trabalho conjunto com o diretor paulista Fernando Meirelles na minissérie "O Simpatizante", na grade da MAX. A trama de seu novo projeto - um desempregado passa a matar seus rivais na disputa por uma vaga de emprego - é derivada do romance "The Ax" (1997), de Donald Edwin Westlake (1922-2008), filmada antes pelo franco-grego Costa-Gravas, em 2005, com o título "O Corte".
No sábado, o oscarizado mexicano Guillermo Del Toro retorna ao Lido, onde ganhou o Leão de Ouro de 2017 com "A Forma da Água", com fome para vencer de novo, ao lançar seu esperado "Frankenstein", com Oscar Isaac.
A premiação será anunciada no dia 6 de setembro por um júri presidido por Alexander Payne, o realizador de "Nebraska" (2013) e "Os Rejeitados" (2023), com Fernanda Torres de jurada.