Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Hermanos muy queridos

Wagner Moura é um dos trunfos internacionais em favor da escolha de 'O Agente Secreto' | Foto: Fotos: Divulgação

Treze nações já divulgaram seus candidatos à disputa por uma vaga na corrida pelo Oscar de 2026, sendo que nenhuma delas se situa na América Latina, o que deixa a Europa em plena evidência na lista de apostas para potenciais estatuetas, sob a representação de um título fortíssimo: o norueguês "Sentimental Value", de Joachim Trier. Entre sábado e domingo, alguns territórios da Pangeia de colonização ibérica vão anunciar seus escolhidos, baseados numa leva de produções que puseram sobretudo a América do Sul em posição de destaque no planisfério cinéfilo, por vitórias expressivas em múltiplos festivais.

Macaque in the trees
Premiado em Berlim, 'O Último Azul', com Denise Weinberg e Rodrigo Santoro, é outra aposta forte do Brasil | Foto: Divulgação

O Brasil, por exemplo, lançou na quinta um ímã de láureas e de elogios gringos: "O Último Azul", que rendeu ao diretor pernambucano Gabriel Mascaro o Grande Prêmio do Júri da Berlinale e assegurou à atriz Denise Weinberg o troféu Maguey em Guadalajara. Essa aventura fluvial, sobre uma septuagenária que flana por rios amazônicos atrás de liberdade, integra uma lista de 16 produções arroladas pela Academia Brasileira de Cinema para decidir qual será o potencial oscarizável nacional. Fala-se, desde maio, que "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho (também egresso de Pernambuco) vá ocupar esse posto, por conta de suas muitas vitórias no exterior, em Cannes, em Jerusalém e em Lima.

Embora só vá estrear comercialmente aqui em 6 de novembro, o thriller com Wagner Moura - que abre o Festival de Brasília no próximo dia 12 - é encarado como blockbuster nato por nossos exibidores e como umas das expressões audiovisuais do Brasil que mais alcança os holofotes estrangeiros.

Macaque in the trees
Bajo Las Banderas, El Sol | Foto: Divulgação

Há hermanos com ele nesse pacote. Tem inclusive um paraguaio. "Sob As Bandeiras, o Sol" (no original "Bajo Las Banderas, El Sol") foi premiado na Berlinale, na Alemanha, e no Bafici, na Argentina. Exibido no Rio e em São Paulo no É Tudo Verdade, em abril, esse documentário de Juanjo Pereira é a produção com CEP no Paraguai de maior êxito em maratonas competitivas do exterior depois da consagração de "As Herdeiras" (2018).

Nele há um mosaico de exuberante montagem. Sua estrutura formal é uma reação a recordações latinas de 1989, ano da queda da ditadura de 35 anos de Alfredo Stroessner. Sua saída do Poder marcou o fim de um dos regimes autoritários mais duradouros do mundo. Isso também levou ao abandono dos arquivos audiovisuais que haviam consolidado seu comando. Esse material, criado para moldar uma identidade nacional e celebrar um regime de direita, foi deixado para desaparecer da memória. Juanjo esforçou-se para evitar esse destino.

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'La Memoria de las Mariposas' entrelaça pesquisa histórica, especulação e a própria história familiar da cineasta Tatiana Fuentes Sadowski | Foto: Miti Films

Foi também na Berlinale que começou a premiada carreira mundial de "La Memorias De Las Mariposas", de Tatiana Fuentes Sadowski, egressa do Peru. Um merecido Prêmio da Crítica em Berlim ampliou o futuro desta produção documental peruana. Diretora de "La Huella" (2012), Tatiana teve sua atenção capturada por uma foto antiga de dois homens indígenas levados a Londres para serem "civilizados" por volta da virada do século XX. Seus nomes eram conhecidos - Omarino e Aredomi - mas pouco ou quase nada se sabia sobre eles. Por isso, Tatiana sentiu-se compelida a se aprofundar no passado da dupla - e de sua pátria. O que faz neste poroso filme é desconstruir a história oficial do comércio extrativista borracheiro no final do século XIX e início do século XX.

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'La Misteriosa Mirada Del Flamenco', do Chile, venceu o Prix Un Certain Regard em Cannes | Foto: Divulgação

Esta semana "La Misteriosa Mirada Del Flamenco", de Diego Céspedes, do Chile, alcançou mais prestígio - fora o que alcançou ao vencer o Prix Un Certain Regard, em Cannes, há três meses - ao ser anunciado como o ganhador do prêmio queer Sebastiane, a ser entregue a ele em Donostia. Essa é a alcunha afetiva do Festival de San Sebastián, no norte da Espanha, onde a produção passará na seção Horizontes Latinos, entre 19 e 27 de setembro, ao lado de um filme inédito de São Paulo: o drama "Dolores", de Maria Clara Escobar e Marcelo Gomes.

Em Cannes, filas gigantes se formaram nas projeções do longa de Céspedes, reconstituição histórica da vida no norte chileno no início dos anos 1980, numa área de mineração na qual um cabaré de mulheres trans e travestis enfrenta o boom da Aids. Tudo é visto pelos olhos de uma menina, Lidia (Tamara Cortes), tratada como filha pela performer Flamenco (Matías Catalán), alvo de transfobia. Na trama, o contágio do HIV é tratado com misticismo, numa crença de que a "peste" se espalha pela troca de olhares.

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'Un Poeta', produção colombiana, arrebatou prêmio no Sanfic, em Santigo | Foto: Divulgação

A mesma Un Certain Regard que laureou Céspedes botou um carimbo de excelência em "Um Poeta", de Simón Mesa Soto, da Colômbia, que, no último domingo, arrebatou a láurea de Melhor Filme no Sanfic, em Santiago. É uma aula sobre literatura com uma interpretação impecável de Ubeimar Rios. Ele interpreta Oscar um autor de poesias frustrado, que nunca estabeleceu sua glória. A descoberta de uma jovem de periferia com talento para o verso renova seus votos com o lirismo.

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'Nuestra Tierra' leva a argentina Lucrecia Martel às gôndolas de Veneza | Foto: Divulgação

Estima-se que o Festival de Veneza, iniciado na quarta, vá classificar mais um hermano para tal coletivo: o ensaio documental "Nuestra Tierra", da argentina Lucrecia Martel. Agendado para ser exibido na terra das gôndolas nesta segunda, esse exercício autoral de não ficção aborda o assassinato do líder indígena Javier Chocobar em meio a disputas fundiárias. É o primeiro longa da aclamada diretora de "La Ciénaga - O Pântano" (2001) desde "Zama" (2017). Se fizer jus ao trabalho pregresso de Lucrecia, ele pode dar à Argentina um sucesso e tem fôlego para ampliar o vigor da esquadra sul-americana.