Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Toni Servillo, divo da grande beleza de atuar

Toni Servillo em 'La Grazia', de Paolo Sorrentino: O sucesso da dupla em outros trabalhos inaugurou uma nova fase para a Itália no cinema, conhecida como Renascimento | Foto: Divulgação

 

Chamado apenas de Presidente e encarado como um indivíduo cindido entre o Ontem e o Amanhã, o personagem de Marco Antonio "Toni" Servillo em "La Grazia" - que inaugurou o Festival de Veneza nesta quarta-feira (27) - carrega um conflito em comum com todas as figuras oferecidas ao ator napolitano pelo diretor Paolo Sorrentino: o desterro. Assim como o escritor misantropo Jep Gambardella, que levou "A Grande Beleza" ao Oscar, há 12 anos, o líder político encarnado pelo maior astro da Itália na atualidade sofre com a falta de pertencimento.

Seu país sucateou seus sonhos, assim como a Europa escanteou sua nação. Mesmo o cinema italiano, um dia encarado como o rival número 1 de Hollywood em matéria de invenção e de autoralidade (ali entre 1945 e o início dos anos 1980), foi para o banco de reservas do audiovisual. Mesmo filmografias de pátrias mais pobres que a sua - como a Romênia e a Hungria - hoje têm mais e melhor prestígio em maratonas de filmes. No entanto, sempre que Servillo e Sorrentino se juntam, a chance de encantamento - e de prêmios - é grande.

"O cinema que fazemos expõe as crises cultural do Ocidente, num momento repleto de medo e de perplexidade que acomete o Velho Mundo ao contabilizarmos as nossas perdas e perceber que viramos um museu a céu aberto", disse o astro, ao Correio da Manhã, em passagens de seus filmes pelo Festival de San Sebastián, no norte da Espanha, onde haverá sessão de "La Grazia", entre 19 e 27 de setembro.

Em Veneza, o longa, que fala de uma história de amor, disputa o Leão de Ouro, aos olhos de um júri que tem Fernanda Torres de jurada. Em terra espanhola, Sorrentino briga pelo prêmio Perlak, dado por um júri popular. Estima-se que a Academia de Hollywood possa tê-lo entre seus concorrentes. O apelo de Toni é forte, amparado na consagração que colheu no teatro, desde sua estreia, na década de 1970.

Nascido na comuna de Afrágola, há 66 anos, ele deu seus primeiros passos na telona em 1992, quando "Morte Di Un Matematico Napoletano" deu a Mario Martone o Grande Prêmio do Júri de Veneza. A popularidade internacional, contudo, só chegou em 2008, via Cannes, com dois longas que saíram premiados da Croisette: a comédia política "Il Divo", do amigo Sorrentino, e o thriller de máfia "Gomorra", de Matteo Garrone. O sucesso de ambos inaugurou uma nova fase para a Itália no cinema, conhecida como Renascimento, e que revelou expressões autorais a quilo.

"A realidade, quando exposta no cinema, seja com poesia, seja com crueza, fere, por expor os nossos desequilíbrios. As feridas que vem do teatro carregam o acolhimento de uma arte milenar da qual eu não arredo pé. É o meu berço e é onde eu me recarrego", diz Servillo.

Há quatro anos, ele ajudou Sorrentino a conquistar o Grande Prêmio do Júri de Veneza com "A Mão de Deus", que está na Netflix. Apoiando-se no êxito que viu o cineasta alcançar por lá em 2021, Alberto Barbera, diretor artístico da competição pelos leões venezianos, afirmou no site do evento: "O retorno de Paolo à competição vem com um filme destinado a deixar sua marca por sua grande originalidade e forte relevância para o momento atual".

Na Prime Video da Amazon é possível conferir dois filmes essenciais da dobradinha Servillo & Sorrentino: "As Consequências do Amor" (2004) e "Silvio e Os Outros" (2019), mais conhecido como "Loro", que escancara as extravagâncias do estadista Silvio Berlusconi (1936-2023), que foi Primeiro-Ministro da Itália entre 1994 e 1995, 2001 e 2006 e entre 2008 e 2011.

"Toni é, antes de tudo, alguém em que eu posso confiar", disse Sorrentino em Cannes.

Com 1,81m de altura e calvície assumida, Servillo, casado com a atriz Manuela Lamanna, foi eleito em enquetes recentes na imprensa da Itália o ator mais sexy de seu país, destronando galãs como Elio Germano e Riccardo Scamarcio. É um Mastroianni pós-moderno, que já filmou com outros gigantes como Marco Bellocchio e Lorenzo Mattotti.

"É uma honra trabalhar com criadores que têm voz própria", disse o ator.

O Festival de Veneza segue até o dia 6 de setembro. Nesta quinta, em competição, rola "Jay Kelly", com George Clooney e Adam Sandler, e "Bugonia", de Yorgos Lanthimos e sua parceira habitual, Emma Stone.