Logo que o trailer de "Ladrões" ("Caught Stealing") começou a circular, em maio, a primeira aposta da indústria é que o filme fosse concorrer no Festival de Veneza ou, no mínimo, entrar em suas mostras paralelas, uma vez que o evento tem sido o pouco seguro do diretor Darren Aronofsky há duas décadas. Até Leão de Ouro deram a ele, em 2008, por "The Wrestler", com Mickey Rourke (aqui chamado de "O Lutador"). Ele foi jurado por lá em 2011, quando o russo Aleksandr Sokurov venceu com "Fausto", e concorreu outras vezes, com "Cisne Negro", "mãe!" e "A Baleia".
Especulou-se ainda sobre San Sebastián, que realiza sua maratona este ano de 19 a 27 de setembro. Ele produziu o único filme brasileiro que foi laureado por lá com a Concha de Ouro: "Pacificado" (2019), de Paxton Winters, ambientado no Morro dos Prazeres. Apesar disso, o novo (e mesmerizante) trabalho do cineasta nova-iorquino optou por ir diretamente para circuito, confiando em seu taco comercial e no apelo do ator Austin Butler ("Elvis").
Conta a saga de um craque de beisebol, Hank, que parou de jogar depois de uma tragédia e tenta se livrar do chamado do álcool. Beber é sua ruína. Só que uma ruína ainda mais funda e perigosa o aguarda depois que um vizinho punk, Russ (Matt Smith), abre as portas da encrenca para ele, ao abandoná-lo com uma chave que pode ser o passaporte para uma fortuna, das mais ilegais. Ele tem uma namorada apaixonada (Zoe Kravitz), que é profissional de saúde e vai dar um trato em seus machucados depois que dois bandidões eslavos quebram sua cara. Tem uma policial de índole indomável em seu encalço (papel de Regina King) e dois mafiosos judeus ortodoxos, interpretados por Vincent D'Onofrio e Liev Schreiber nas raias do humor.
"Minhas histórias falam de pessoas solitárias em volta de uma sina", disse Darren ao Correio, ao lançar "Pacificado", na Espanha.
Recentemente, num Zoom com o Correio da Manhã, quando "Ladrões" estava nascendo, ele definiu seu estilo: "Eu sou um realizador de filmes de baixo orçamento nos Estados Unidos. Um realizador que escolheu falar sobre os demônios internos das suas personagens, fascinado por figuras que me capturam por sua profundidade. Por meio da engenharia sonora do meu cinema, eu me conecto com a plateia a partir do aspeto mais sensorial da imagem".
É difícil pensar num thriller de grife com tanta ação quanto "Ladrões" quando se analisa o repertório das vozes autorais reveladas nos EUA da década de 1990 para cá. Tudo bem que Steven Soderbergh nos trouxe seu melhor filme, em muito tempo, no primeiro semestre: o longa de espionagem "Código Preto". Mas ele começou antes, lá em 1989, ao ganhar a Palma de Ouro com "sexo, mentiras e videotape".
Aronofsky faz algo mais furioso... e é mais moço. Vem de uma linhagem que apresentou Quentin Tarantino, Wes Anderson, Sofia Coppola e Paul Thomas Anderson às telonas. Todos são crias do audiovisual noventista e tiveram eventos como Cannes e como Sundance entre seus aliados. Aronofsky explodiu em 1998, com "Pi". Confirmou a potência que é com "Réquiem Por Um Sonho", drama barra pesada sobre dependência química (e não só) que lhe valeu um espaço nobre nas telas de Cannes, em 2000. Os 25 anos do longa, um dos cults da carreira do cineasta foram celebrados, em junho, no Festival de Tribeca.
"Eu reluto para rever os meus filmes antigos", disse Darren ao Correio. "Revi 'Requiem…' faz pouco tempo, quando sua cópia em Blu-Ray saiu, e me lembrei da sensação que tive em cada cena que filmei. Gostei de voltar a elas".
Em meio à celebração de "Réquiem Por Um Sonho", o realizador, sempre marcado pela influência do Velho Testamento (vide seu "A Árvore da Vida", de 2006), finalizou "Ladrões" para atraiu a massa pagante neste fim de agosto. Ele tem blockbusters em sua estrada. Orçado em US$ 15 milhões, "Cisne Negro" - saga de uma bailarina que enlouquece em seu excesso de perfeccionismo - faturou US$ 323 milhões e rendeu o Oscar a Natalie Portman. Depois ele rodou o bíblico "Noé" (2014), com Russell Crowe, que custou alto (US$ 125 milhões), mas arrecadou bonito (US$ 359 milhões).
"Ladrões" desde já é um estandarte de sua vitalidade e pode angariar indicações ao Oscar para o diretor, para Regina e para sua montagem nevrálgica. A fotografia marota é de Matthew Libatique. Ó... tem sequências pós-créditos, algumas feitas em animação. Vale esperar e aplaudir.