Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Diego Medeiros: 'Pernambuco foi o primeiro Estado do Brasil a instituir umalei do audiovisual'

Diego Medeiros | Foto: Soraya Ursine/Divulgação

 

Se existisse um Kikito de Melhor Livro no Festival de Gramado, essa categoria imaginária teria como vencedor, este ano, o obrigatório "A Potência do Cinema Pernambucano", escrito por Diego Medeiros. Ele é advogado e sua especialidade é aportar informações e sensos jurídicos aos projetos de longa-metragem que nascem no Recife e cidades vizinhas de seu estado. Sua pesquisa traz entrevistas, análise (riquíssima) e estatísticas, tudo isso salpicado por um uso audacioso da gramática. Ele fez um lançamento internacional no Festival de Cannes, em meio ao sucesso de "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, que abre o Festival de Brasília no próximo dia 12 e estreia comercialmente no dia 6 de novembro. A conexão do autor com a 53ª maratona gramadense, encerrada no último sábado, foi a opção em lançar a publicação por lá, em meio à passagem de "O Último Azul", do também pernambucano Gabriel Mascaro, que estreia nesta quinta. No papo a seguir, o escritor dimensiona a produção de sua terra.

Seu livro é uma antologia delicada de um cinema que virou a Terra Santa de nosso audiovisual em tela grande, numa aposta da ficção em tramas inventivas, que não refutam diálogos de gênero. Seu lançamento em Gramado coincidiu com a passagem de "O Último Azul". Onde é que a geração de Gabriel Mascaro se instaura na genealogia que você disseca?

Diego Medeiros: O cinema brasileiro vive uma de suas melhores fases e Pernambuco é um dos pilares dessa consagração. Gabriel Mascaro se encaixa nessa geração que surgiu após o surgimento de filmes como "Baile Perfumado" (1996, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira) e "Cinema Aspirinas e Urubus" (2005, de Marcelo Gomes). Esses dois filmes, em especial, marcaram significativamente essa retomada do cinema nacional. Tais diretores ainda estão em profícua atividade, porém, existe uma geração que bebeu (e foi formada a partir d)aí, na qual se encaixam Kleber Mendonça Filho e Mascaro. No livro, Gabriel, na sua entrevista, detalha esse contexto e diz que, a partir de "Cinema Aspirinas e Urubus", "foi possível sonhar". Gabriel foi estagiário neste filme e, a partir desse contexto, mergulhou no cinema, fez longas-metragens e chegou a ganhar o Urso de Prata no Festival de Berlim, um prêmio incrível para o Brasil, para ele e para o Cinema Pernambucano. É uma situação de prestígio mais que merecida, fruto de mais de duas décadas de trabalho.

Que novos horizontes as vozes autorais de Pernambuco galgam com "O Agente Secreto"?

"O Agente Secreto" vem em um momento único para o cinema brasileiro. O Brasil foi o país de honra do Festival de Cinema de Cannes em comemoração aos 200 anos de relações diplomáticas com a França. É um momento histórico para o audiovisual brasileiro, impulsionado pelas conquistas do cinema nacional nos últimos meses, como o Oscar de Melhor Filme Internacional para "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, a vitória de Mascaro em Berlim e as conquistas de Kleber em Cannes. "O Agente Secreto", para Pernambuco, só confirma o contexto de maturidade cinematográfica de Kleber, que hoje é apontado como um dos mais incríveis diretores de cinema de Pernambuco, do Brasil e do mundo. O filme tem um potencial enorme de ganhar mais prêmios em festivais e, sem dúvidas, representa o ponto culminante da potência do cinema pernambucano.

Qual foi o primeiro longa pernambucano que o senhor viu em cinema e que perspectivas esse filme abriu-lhe então?

Foi "Baile Perfumado", em uma sessão especial, anos depois de ter sido lançado. Esse filme é chave no contexto de retomada do cinema pernambucano e brasileiro. Realizado em 1997, ele é tido geralmente como marco inicial desse novo e perene ciclo pernambucano. Veio sete décadas depois do breve "ciclo do Recife", dos anos 1920. Na década de 1990, o cinema é retomado em Pernambuco, como produção. A crise geral do cinema brasileiro no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 e o fechamento da Embrafilme ameaçaram o processo, mas, com a expansão dos meios de produção audiovisual, a atividade ganhou novo impulso. Eu sempre gostei de cinema e arte, até por meu bisavô ter tido uma sala de exibição no interior do Rio Grande do Norte. Quando eu era estudante da Faculdade de Direito do Recife da UFPE, vários cineastas começaram a me procurar e dizer que precisavam de uma assessoria jurídica especializada. Foi então que foquei e me especializei na área. Fiz mestrado e fundei um escritório pioneiro no setor.

Qual foi a maior descoberta sobre Pernambuco, enquanto território, que o livro lhe permitiu, em suas pesquisas?

Pernambuco foi o primeiro Estado do Brasil a instituir uma lei do audiovisual, que ocorreu na gestão do governador Eduardo Campos, um político com uma visão estratégica de que o cinema iria projetar nosso estado no Brasil e mundo. Essa visão de futuro de fato aprofundou-se, consolidou-se e colocou Pernambuco em uma posição inédita no Brasil. Hoje, nosso cinema tem mais de cem anos de história. Os fatores são históricos, artísticos, culturais. sociais, econômicos e políticos, com destaque para a existência de uma política pública de investimento no audiovisual. Há uma política de Estado para dar suporte às produções e propiciar uma formação de uma cadeia de profissionais altamente especializados no setor.