Quando ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, por sua atuação como a bandidona Russa de "Salve Geral!", em 2010, a atriz Denise Weinberg fez do microfone uma plenária para transformar o que habitualmente é um rito de mera gratidão num (necessário) combate à letargia política de nossos governos em relação à arte e ao bem-estar. Foi rápida, elegante, mas usou a tonitruante voz que esculpiu ao longo de anos de serviços prestados aos palcos num megafone crítico. Sua reação aos quilos de elogios que vem recebendo, mundialmente, por "O Último Azul" - nas telas a partir desta quinta-feira - não tem sido diferente. Denise reage.
Seu desempenho estonteante rendeu-lhe o troféu Maguey no Festival de Guadalajara e ajudou - e muito - o longa na conquista do Grande Prêmio do Júri da Berlinale, na Alemanha, onde Gabriel Mascaro estreou esse river movie (filme fluvial de aventura existencialista), na disputa pelo Urso de Ouro. Ganhou ainda o Prêmio do Júri Ecumênico e um mimo de leitores/as do jornal germânico "Berliner Morgenpost". Cada uma dessa vitórias atraiu holofotes para Denise, que nunca se deixou encantar pela badalação.
"Demorei anos para dizer que era atriz porque eu adoro meu anonimato... e porque aquilo de mais gosto, nesse ofício, é contar histórias. Fama é um perigo, é como droga: vicia. Se você bate continência pra fama, perde seu eixo", disse a atriz ao Correio da Manhã na projeção de "O Último Azul" na abertura do 53º Festival de Gramado, encerrado no sábado.
Prestes a voltar ao cinema ainda em "Por Nossa Causa", de Sérgio Rezende, esperado para o Festival do Rio (mas ainda não confirmado), Denise teve seu talento aplaudido em grandes mostras do Velho Mundo, em parcerias com a dupla Daniela Thomas e Walter Salles ("Linha de Passe", premiado em Cannes, em 2008) e Armando Praça (em "Greta", atração da Berlinale de 2019). Em fevereiro, críticos das mais variadas pátrias se renderam à sua forma de celebrar a vontade de viver na trama escrita e dirigida por Mascaro, realizador de "Boi Neon" (2015) e de "Divino Amor" (2019). "A gente celebra o desejo, a potência", disse Denise.
Em "O Último Azul", o governo brasileiro passa a transferir idosas/os 70 para uma colônia habitacional com a desculpa de oferecer a eles e a elas a chance de "desfrutarem" seus últimos anos de vida em isolamento. Na teoria, parece um resort. Na prática, o local é um campo de concentração. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, funcionária de um curtume, recém-chegada aos 77 anos, resolve embarcar em uma jornada, pelas matas da Amazônia, onde vive, a fim de realizar seu último desejo: ter dignidade... e com ela ser livre. Voar de avião é uma metáfora para sua libertação. Para alcançar sua meta, ela vai se enfiar numa jornada pelos afluentes do Amazonas com direito a um barqueiro de coração partido, Cadu (papel de um inspirado Rodrigo Santoro), e uma vendedora de Bíblias digitais chegada ao trambique, Roberta (vivida pela cubana Miriam Socorrás).
"Aquele cenário era um palco, cheio de árvores, e eu olhava para ele reverente. Há sempre que se ter reverência pelo local em que se trabalha. Ali, a Natureza é muito potente", explica a atriz.
Aclamada nas artes cênicas, com uma longa história no Grupo Tapa, Denise atualmente se lança numa pesquisa sobre a prosa do russo Fiodor Dostoiévski que tem tudo para render uma peça, neste momento em que ela vem filmando um bocado. Estrela de montagens aclamadas, como a releitura de "Lágrimas Amargas de Petra von Kant", de Rainer Werner Fassbinder, que fez no início dos anos 2000, ela anda magoada com o atual estado de coisas do teatro no país.
"Eu acredito no poder do boca a boca. Embora o cinema seja mais industrial, um filme como 'O Último Azul' só se firma se as pessoas falarem dele. Isso requer tempo. Um dos filmes que eu fiz, 'A Metade de Nós', ficou uma semana em cartaz. Não há boca a boca assim. O teatro, que é minha casa, está passando hoje por uma situação chata. Você ensaia uma peça por três meses e aí, na hora de estrear, só fica em cartaz por 14 apresentações. Acabado isso o espetáculo precisa sair de cartaz e dar lugar outro, sem chance de aprofundar a pesquisa. A sensação que dá é de que o trabalho é descartável. Estou afastada dos palcos há três anos por conta disso, pois me dá desgosto. Arte não é fast food. Arte não é McDonald's. Arte exige atenção e nos demanda paciência".