Disponível hoje para streaming no Globoplay e na Prime Vídeo da Amazon (em dobradinha com o Telecine), "Arca de Noé", uma das produções mais ambiciosas da história da animação no Brasil, ganha uma nova vitrine, no Festival de Gramado. Tem sessões matinais, fora de concurso, nos bairros da cidade, voltadas para a formação de plateias. É um caminho que essa adaptação lúdica da narrativa poética de Vinicius de Moraes (1913-1980), lançada em 2024, encontrou de chegar a mais criança pelas vias da tela grande. A projeção, integrante da Mostra Infantil Petrobras, na programação gramadense, acontece na esteira da vitória do filme na cerimônia do Grande Prêmio da Academia Brasileira de Cinema, na qual ele ganhou o troféu Grande Otelo de Melhor Longa Animado. A direção é de Alois Di Leo e de Sérgio Machado e a produção é da Gullane e da VideoFilmes, em coprodução com Globo Filmes, Telecine, Symbiosys e Imagem Filmes (sua distribuidora).
"Foi um grande desafio mergulhar nesse mundo infantojuvenil, pois era uma coisa que eu nunca tinha imaginado fazer, mas fiz por conta da (diretora) Susana de Moraes (filha do Vinícius), pelo fascínio que eu tive por ela", explica Sérgio Machado, que lança, no próximo dia 4, o filme "3 Obás de Xangô" (troféu Redentor de Melhor Documentário no Festival do Rio 2024). "Animar foi um aprendizado grande, pois você tem que planejar tudo, preparar tudo... Para mim, que sempre fui muito de um cinema vivo, que incorpora os acasos e os improvisos, esse foi um processo novo... rico, fascinante".
Fiel ao episódio bíblico do Dilúvio, relido à luz do lirismo de Vinicius, "Arca de Noé" é um épico sobre a amizade, o que justifica a presença do habitual parceiro de Machado, Lázaro Ramos, no elenco de vozes, no papel do Leão. Rodrigo Santoro - que foi homenageado por Gramado, há uma semana, com o troféu Kikito de Cristal - também cede o gogó a um personagem: um rato maroto que busca sobreviver a uma chuva torrencial, enviada pelo Altíssimo. Outros dois camundongos, interpretados por Alice Braga e Marcelo Adnet, movimentam essa trama. Um dos acertos do longa é o desempenho (vocal) de Gregório Duviver no papel da barata Alfonso, uma cucaracha hermana, que não perde o jeitinho brasi... quer dizer, latino, de tentar se dar bem nas menores brechas.
"Acho que os papéis pequenos são gigantes. No caso da barata, é um papel literalmente pequeno. É um inseto, mas uma delícia de fazer. Eu gostei da ideia de uma barata marota, malandra, porque é isso que faz a longevidade da barata: é a malandragem.", disse Gregório ao Correio na estreia comercial do filme, que marcou a estreia de Sérgio nas estéticas animadas, após sua consagração no Festival de Tallin, na Estônia, em 2002 com "O Rio do Desejo", drama sensual, baseado na obra do Imortal da ABL Milton Hatoum.
Premiado em Cannes há 20 anos com "Cidade Baixa" (2005), o cineasta baiano tem uma ideia, ainda incipiente, de fazer "Arca De Noé 2". "Esta semana, a gente vai começar a se reunir, para tentar juntar ideias e ver se essa continuação vai adiante. A Gullane e todo mundo que participou tem interesse de seguir adiante e contar uma nova história dos ratinhos, inventar uma outra coisa. Eu não passei para o mundo da animação, mas eu estou envolvido nesse universo e quero especular sobre essa ideia de fazer uma segunda parte do filme", diz o realizador, que só concorreu em Gramado uma vez, com o documentário "Onde A Terra Acaba" (2001), sobre o cultuado realizador de "Limite" (1931), Mario Peixoto (1908-1992).
Essa produção deu a ele o Prêmio Especial do Júri da competição gramadense de não ficção, num ano em que o diretor teve a chance de concorrer com um de seus ídolos: Eduardo Coutinho (1933-2014).
"Aquela foi uma edição muito especial, na época em que se lançou também 'Edifício Master', do Coutinho. Saímos os dois premiados. Eu tive uma ida muito linda, de que nunca esqueço. Gramado é importantíssimo, pois talvez seja o nosso festival mais popular", explica Machado. "O Kikito é um prêmio cobiçado".
Com "Os 3 Obás de Xangô", que abre o circuito nacional de setembro, Machado mergulha na amizade entre o compositor Dorival Caymmi (1914-2008), o artista plástico Carybé (1911-1997) e escritor Jorge Amado (1912-2001). Os três artistas se tornaram grandes parceiros e dividiram a paixão pela Bahia, além de uma forte conexão com o candomblé.
Gramado termina neste sábado.