Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Susanna Lira: 'Acredito numa sociedade onde todo mundo se dê as mãos'

A diretora Susanna Lira no set de 'Apenas 3 Meninas' | Foto: Divulgação

Sempre acolhedor com vozes autorais consagradas que se arriscam pelo formato curta, o Festival de Gramado abriu espaço na competição dedicada a pílulas de Brasil, de sua 53º edição, para acolher a carioca Susanna Lira e seu esperado "Réquiem para Moïse". Dirigido em duo com Caio Barretto Briso, essa produção de 19 minutos e 16 segundos analisa o racismo por trás do assassinato do imigrante congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, morto com golpes de taco de beisebol num quiosque na Barra da Tijuca, em 2022. Quem viu "Torre das Donzelas", com o qual a diretora foi laureada mundialmente em 2018, sabe o espaço nobre que sua obra dá ao combate à microfísica da exclusão.

Documentarista consagrada, Susanna recebeu o convite gramadense enquanto filmava uma ficção, chamada "Apenas 3 Meninas", em bairros da Zona Norte. São Cristóvão foi um dos pontos em que rodou esse longa da produtora Panorâmica, em coprodução com a Elo Studios e a Paramount Pictures Brasil.

Recebeu lá o Correio da Manhã, num set inspirado por fatos reais, sintonizado com o Grupo Girls Up Brasil.

Em 2020, três adolescentes fizeram um movimento em prol da dignidade menstrual. Elas se depararam com dados alarmantes: uma em cada quatro jovens brasileiras não têm acesso mensal a absorventes. A ONU estima que uma em cada dez meninas no mundo deixe de frequentar a escola todo mês por causa da menstruação. Foi diante dessa realidade que decidiram agir para transformar a vida de centenas de mulheres ao seu redor e fomentaram a criação da primeira lei do Brasil que garante a distribuição gratuita de absorventes. A Lei Estadual 8.924/2020 (inspirado no trabalho da Deputada Tabata Amaral e da Iniciativa Girl Up) foi proposta pelo deputado Renan Ferreirinha e aprovada por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2021.

Na telona, essa saga traz um elenco estelar. Mel Maia, Lívia Silva e Letícia Braga vivem as protagonistas Amora, Irene e Luana, respectivamente. Shirley Cruz, Juliana Alves, Nicole Orsini e Milhem Cortaz também estão em cena no projeto, que Susanna explica no papo a seguir, à força da boa acolhida de Gramado a "Réquiem Para Moïse".

Ao lado de um filme que flerta com a perplexidade ("Réquiem Para Moïse"), você aposta na ficção, recriando um episódio de perseverança, centrado em vitórias de mulheres brasileiras. Como se estrutura a abordagem de "Apenas 3 Meninas"?

Susanna Lira: Esse é um filme sobre renovação da esperança. Precisamos ver as pessoas na sua complexidade. Quando pensamos na realidade de pessoas que vivem com um salário mínimo, numa casa onde residam mulheres jovens, a compra de absorvente nem sempre estará entre as prioridades. Só que o direito à dignidade menstrual é uma questão de higiene básica. A não compra de um absorvente impacta sobre uma vida, afeta o dia a dia. Numa sociedade marcada historicamente pelo ódio ao corpo, tento tratar a menstruação longe dos tabus.

O que a iniciativa retratada no filme representou politicamente?

A certeza de que essa geração mais jovem pode ensinar muito pra gente.

O seu cinema é uma celebração do feminino, mas jamais incorre numa mirada depreciada da masculinidade. Qual é o espaço dos homens nas suas narrativas?

A construção da figura masculina é doce, como um convite aos homens, para a escuta. Não acredito numa dinâmica de "nós contra eles". Acredito numa sociedade onde todo mundo se dê as mãos. O que eu tento fazer é uma ponte de afeto.

Como é a sua relação pessoal com a Zona Norte do Rio?

Sou forjada por ela, pois fui criada em Oswaldo Cruz. Fui criada por uma mãe sozinha, com muita dificuldade. Sei o valor desse subúrbio que retrato agora em "Apenas 3 Meninas". Sei o quanto pesam as distâncias de ônibus que a gente precisa enfrentar para percorrer a cidade. Filmei Madureira, numa volta a esse lugar que me forjou. Tentei jogar luz sobre lugar sem privilégios. Essa história é uma forma de inspirar pessoas. O poder da criação se alia à necessidade de se ocupar territórios, sem haver restrições.

Seus filmes mais recentes demonstram uma maturidade sobretudo no trato com a luz, o que amplia a curiosidade para saber como será o enquadramento do subúrbio do Rio em "Apenas 3 Meninas". Como funciona o seu trabalho com a direção de fotografia?

Eu forjei uma parceria dos deuses e das deusas como a Lílis Soares, minha fotógrafa. Ela virou a minha alma gêmea num âmbito profissional. Buscamos o brilho que as pessoas do subúrbio têm.