Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O sol de Gramado nasce para as telas do mundo

'O Último Moicano' aborda a labuta de pastores acossados pela máfia | Foto: Koro Films

Ursos alemães, sobretudo os de Prata e os de Cristal, signos de excelência na Berlinale, têm um histórico de bom acolhimento em Gramado. Muitos filmes latino-americanos que o Festival de Berlim descobriu - e consagrou - tiveram estreia nacional na telona gramadense, como "A Teta Assustada" (2009), por exemplo. Este ano, quem abriu a maratona cinéfila da Serra Gaúcha, na sexta, foi a produção brasileira que ganhou três láureas na Alemanha, em fevereiro, incluindo o Grande Prêmio do Júri de Berlim: "O Último Azul", do pernambucano Gabriel Mascaro, com Denise Weinberg e Rodrigo Santoro.

Escolha pautada pela qualidade: o longa impressiona plateias por onde passa ao retratar um Brasil distópico, no qual pessoas 70 são condenadas a campos de concentração para gente idosa ser isolada. A convocação de Mascaro para o abre-alas da 53ª edição do evento também traduz um desejo de diálogo internacional. Da década de 1990 até a pandemia, Gramado teve uma competição estrangeira, ibero-americana, que assegurou a passagem de títulos internacionais. Essa competição hoje está adormecida, mas há uma mostra de títulos franceses, hors-concours, engatilhada, para ser exibida no Teatro Elisabeth Rosenfeld.

Por lá serão exibidos longas como "O Último Moicano", de Frédéric Farrucci, que passou pelo Festival de Veneza, em 2024. No enredo, Joseph (Alexis Manenti), um dos últimos pastores de cabras na costa da Córsega, recebe a visita da máfia local, que tem interesse em suas terras. Apesar da pressão, ele se recusa a ceder e, acidentalmente, mata o homem enviado para intimidá-lo. Outra pérola francófona importada por Gramado é "Cachorro Bravo", de Jean-Baptiste Durand. O longa ganhou o César (o Oscar da França) de Melhor Filme de Estreia e de Melhor Ator Revelação, dado a Raphaël Quenard. Em seu roteiro, Dog (Anthony Bajon) e Mirales (Quenard) são amigos de infância. Passam grande parte do dia perambulando nas ruas.

O bonde da terra de Emmanuel Macron em Gramado traz também "Os Piores", que deu o Prix Un Certain Regard a Lise Akoka e Romane Gueret em Cannes, em 2022. Nele, um grupo de adolescentes de um bairro é selecionado para atuar em um longa durante o verão, numa ação social que expõe fraturas políticas crônicas. O quarto integrante do time da França em terreno gaudério é "Suprêmes", de Audrey Estrougo. A produção fala de um fenômeno do rap europeu: a dupla cool (e cult) Supreme NTM, formada por JoeyStarr (Théo Christine) e Kool Shen (Sandor Funtek). É uma fina radiografia do subúrbio de Paris, com protestos e brutalidade policial.

Na sintonia com a circulação de nossos longas por terras gringas, Gramado exibe nesta terça, na competição de ficção "A Natureza Das Coisas Invisíveis", da brasiliense Rafaela Camelo, que brilhou na mostra Generation da já citada Berlinale. Em sua trama, que comoveu olhos berlinenses, a menina Glória, de 10 anos (vivida por Laura Brandão), acompanha a mãe, a enfermeira Antônia (Larissa Mauro), no trabalho, em um hospital. A garota já conhece o local e costuma explorá-lo sozinha. Um dia, ela conhece Sofia (Serena), da mesma idade, que está lá por causa de sua avó, uma curandeira espiritual que sofre de Alzheimer. Uma relação de cumplicidade vai nascer ali.

No dia 20, a mostra de documentários recebe, diretamente do Festival de Cannes, "Para Vigo Me Voy!", no qual Karen Harley e Lírio Ferreira vasculham sonhos, saudades e sucessos de Cacá Diegues (1940-2025), que nos deixou em fevereiro, sem pedir licença à nossa carência. É uma narrativa vertiginosa a partir de arquivos pouco conhecido, com imagens do set de "Deus Ainda É Brasileiro", que o artesão autoral alagoano nos deixou de herança, ainda inédito.

No júri de longas de ficção de Gramado deste ano estão a atriz Isabel Fillardis, três cineastas (Fernanda Lomba, Sérgio Rezende e Petrus Cariry) e o ator Edson Celulari. O júri de longas documentais é composto pela documentarista e jornalista Thais Fernandes, o diretor Betrand Lira e o ator Marcos Breda. O time que julga curtas inclui a crítica de cinema e cofundadora do Mídia Ninja Dríade Aguiar, o produtor e diretor do festival Curta Cinema Aílton Franco, as atrizes Larissa Bocchino e Polly Marinho e a apresentadora e diretora Sarah Oliveira.