Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Locarno à portuguesa, com certeza

'As Estações': Portugal na disputa pelo Leopardo de Ouro | Foto: Divulgação

Coração suíço do organismo simbólico formado pelos maiores festivais de cinema do planeta (Cannes, Veneza, Berlim, Roterdã, Toronto e San Sebastián), Locarno é a maratona competitiva desse sistema que mais valoriza o cinema português, oferecendo espaço nobre à "terrinha" múltiplas vezes desde sua criação, há quase oito décadas. Via de regra, sempre há um longa-metragem lusitano na competição por seu troféu mais almejado, o Leopardo de Ouro, que foi parar em Lisboa, em 2019, como um reconhecimento da potência plástica de "Vitalina Varela", de Pedro Costa.

Este ano, por veredas alentejanas, Portugal se põe na mira do júri presidido pelo diretor cambojano Rithy Pahn sob a representação de "As Estações", de Maureen Fazendeiro. A realizadora de "Motu Maeva" (2014) e "Sol Negro" (2019) vai além das fronteiras etnográficas ao desbravar o campo, entre cabras, silêncios e sonhos.

Entrelaçando relatos de trabalhadores rurais, pesquisas de campo de arqueólogos, desenhos, investigações científicas, lendas, poemas e canções, "As Estações" é uma viagem pela História de uma nação que um dia teve o mundo nas mãos, no tempo das grandes navegações. Não é o mar... testemunha do passado de glórias das caravelas e da Escola de Sagres... que interessa ao olhar de Maureen e, sim, os contos de uma região do sul de Portugal, o Alentejo. Seu longa, que entra nas telonas de Locarno nesta segunda, é um retrato das pessoas que lá viveram, qual uma autópsia em corpo vivo de um país.

"Um filme arqueológico, ele escava a paisagem, as vozes e os gestos do povo do Alentejo para revelar os vestígios de uma história comum, marcada por guerras e revoluções, medo e resistência, permanência e metamorfose", disse Maureen ao site oficial de Locarno.

Macaque in the trees
'Nova 78' revisita os radicais livres que cercavam William S. Burroughs | Foto: Divulgação

Por lá se encontra outra pérola lusa, "Nova 78", um documentário de Rodrigo Areias e Aaron Brookner, feito em sinergia com a Inglaterra. O filme mostra imagens nunca antes vistas da lendária Nova Convention, um evento de três dias, realizado na cidade de Nova York de 30 de novembro a 2 de dezembro de 1978. Concebida como uma homenagem ao escritor William S. Burroughs (1914-1997), a "convenção" incluiu seminários, apresentações musicais, leituras e performances. Participaram dela uma mistura estranha de acadêmicos, editores, escritores, artistas, roqueiros e discípulos da contracultura. O evento teve um pequeno contratempo: os organizadores anunciaram a presença de Keith Richards, o que fez com que os ingressos se esgotassem. No entanto, o cancelamento de última hora de Richards causou uma oscilação antagônica no humor da plateia.

Macaque in the trees
'Keep Quiet' marca a volta de Lou Diamond Phillips aos holofotes | Foto: Randomix Productions

Um dos títulos mais esperados deLocarno para esta semana é o thriller "Keep Quiet", dirigido por Vincent Grashaw, que busca holofotes para o esquecido Lou Diamond Phillips, astro de "La Bamba" (1987). Na trama, um policial indígena experiente e uma recruta precisam encontrar um fugitivo da Justiça, crudelíssimo, cujo retorno à reserva rural expôs seus segredos mais sombrios e pode desencadear uma violenta guerra entre gangues. Sua projeção será na quinta. No sábado, o festival encerra suas atividades com a premiação e com exibição da nova versão (agora musical) de "O Beijo da Mulher Aranha", o livro de Manuel Puig (1932-1990), que inspirou um dos maiores êxitos do diretor Hector Babenco (1946-2016), em 1985. Agora, Jennifer Lopez encarna o papel que foi de Sonia Braga. O longa, dirigido por Bill Condon, passa no encerramento do festival, e tem Diego Luna e Tonatiuh nos papéis que foram de Raúl Julia (1940-1994) e William Hurt (1950-2022), que ganhou o Oscar pela versão de Babenco, interpretando o decorador Molina.