Kikito, deus-sol dos Pampas, sorridente como ele só, há de iluminar a cinefilia da Serra Gaúcha pela 53º vez na História - de 1973 até hoje - assim que começar mais um Festival de Gramado, de 15 a 23 de agosto, coroando Mariza Leão com um merecido tributo. O troféu disputado por longas e curtas-metragens em concurso no evento é xará da entidade pampeira supracitada, já a láurea que a produtora carioca de sucessos como "Meu Nome Não É Johnny" (2008) ganhará no próximo dia 18 se chama Eduardo Abelin. Ela foi batizada em respeito ao realizador nascido em Cacheira do Sul (RS), em 1900, e morto em 1984, responsável pelos clássicos "O Castigo do Orgulho", de 1927, e "O Pecado da Vaidade", de 1932.
Em geral, o prêmio que relembra sua glória fica com cineastas (tipo Laís Bodanzky, Joel Zito Araújo, Cacá Diegues), mas, como Mariza já produziu tantas vozes autorais e já encheu tanto o circuito de pagantes, ela acabou sendo escalada para o rol de homenagens de Gramado em 2025. Na abertura da maratona sulista, Rodrigo Santoro vai lá exibir "O Último Azul" (Grande Prêmio do Júri na Berlinale, em fevereiro) e buscar o Kikito de Cristal. No dia 19, Marcélia Cartaxo conquista o troféu Oscarito por todo o seu êxito como atriz. Cabe à leoa da produção nacional uma distinção que coroe seu capricho com o cinemão.
Produziu campeões de bilheteria que somam cerca de 20 milhões de ingressos vendidos, como a hilária franquia "De Pernas Pro Ar" (2010 a 2019). No dia 16/8, ela lança por lá a série "Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente", que fez barulho na Europa ao passar pelo Festival de Berlim. Tem um longa com Ingrid Guimarães já no forno. Fala de você, Mariza. Diz aí...
O troféu Eduardo Abelin tinha cineastas como foco, por tradição, mas abre, com orgulho e norte estético, espaço para um pilar da produção no país. O prêmio, ao ser confiado a você, celebra toda uma linhagem de grandes produtoras/es de nosso cinema. Hoje, em 2025, que desafios rondam a sua profissão?
Mariza Leão: Como disse Scorsese, talvez o cinema tenha acabado ou esteja em vias de... Perdemos o mais precioso bem de nossa atividade: a independência. A liberdade. No Brasil, com um modelo de investimentos que confunde a produção audiovisual com políticas de integração e compensações via cotas, preterindo o maior tesouro que é o conteúdo, deixamos de impulsionar uma indústria audiovisual da forma adequada. Falta coragem para reconhecer que a conquista do mercado - na eterna competição com os blockbusters americanos- exige que as histórias a serem contadas tenham grandeza de produção. Basta ver que a performance positiva de bilheteria este ano é de filmes em torno ou acima de R$ 15 milhões
Qual é o seu histórico com Gramado e de que forma você avalia a relevância do festival para pensar a produção no país?
Desde os anos oitenta, quando levamos "O Sonho Não Acabou", "O Homem da Capa Preta" e "Doida Demais" para Gramado, esse festival nos abraçou e nos proporcionou conviver com muitos profissionais que se tornaram nossos amigos. Também pudemos ter contatos diretos com críticos que respeitamos. Gramado enfrentou todas as batalhas que o cinema brasileiro enfrentou. E por último enfrentou a enchente no Rio Grande do Sul no ano passado. Estar em Gramado é uma honra e uma alegria.
Você deu à crônica de costumes (em forma de comédia) do Brasil um outro ânimo com "De Pernas Pro Ar". Que relevância essa franquia teve para a sua carreira e o que podemos esperar da sua atuação nessa esfera de gênero?
A comédia foi meu maior desafio. Fazer rir é muito difícil. O "Pernas", "Meu Passado me Condena" e "Um Tio Quase Perfeito" souberam atingir esse objetivo sem perder a elegância cinematográfica. Em outubro, lançaremos o novo filme da Ingrid Guimarães, minha parceira, "Perrengue Chique", dirigido pela Flavia Lacerda e produzido também pela Amazon. Este filme já foi quase 100% produzido pelo Tiago Rezende que, junto com o Thiago Pimentel, tem renovado a nossa produtora. Pimentel é autor e produtor da série "Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente", dirigida pelo Marcelo Gomes e pela Carol Minem (que nasceu mundialmente na Berlinale, em fevereiro). Lançamos em 31 agosto na HBO Max. Sobre novas comédias: estamos com dois projetos em desenvolvimento.
O que o formato das séries/minisséries hoje simboliza para você como investimento?
Séries e minisséries são formatos que me atraem. "Meu Passado Me Condena", da Julia Rezende, começou como série. Fizemos também "Questão de Família", com três temporadas dirigidas pelo Sergio Rezende - antes dos streamings chegarem ao Brasil. "Todo Dia A Mesma Noite", dirigido pela Julia Rezende, mostrou que a (empresa produtora) Morena tem DNA forte nesse formato.
Qual foi o momento da sua carreira em que, pela primeira vez, você sacou e sentiu: "sou uma produtora agora"?
Descobri isso bem cedo, quando convivi com muitos diretores iniciando as carreiras e sonhando em fazer filmes. Olhei pra todos eles e pensei: quem vai viabilizar esses sonhos, esses projetos? Saquei que era eu.