Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Latidos renovados no Mubi Fest Rio de Janeiro

'Amores Brutos', estrelado por um jovem Gael García Bernal, redefiniu estéticas no cinema latino-americano | Foto: Mubi/Divulgação


Preparando-se para voltar às telas com a comédia romântica "Sin Equipaje", de Juan Taratuto, o mexicano Gael García Bernal engatou uma espiral nostálgica a partir do último Festival de Cannes, ao reviver a consagração de "Amores Brutos" ("Amores Perros", 2000), com a volta desse cult hispano-americano que o consagrou às telas, na comemoração dos 25 anos de sua estreia. Nesta sexta, às 14h, o longa-metragem que inaugurou o prestígio do diretor Alejandro González Iñárritu (ganhador de dois Oscars de Melhor Realização) terá sessão em tela grande no Estação NET Rio, às 14h, na abertura no Mubi Fest Rio de Janeiro. O que o complexo exibidor da Voluntários da Pátria vai conferir no fim de semana é a versão restaurada em 4k do longa, que fez sua estreia mundial no Festival de Cannes, em maio. Iñárritu e Gael estiveram lá para celebrar o regresso desse marco México em circuito. Os dois trabalharam de novo em "Babel", que deu ao cineasta a láurea de Melhor Direção em solo cannoise em 2006.

"O impacto que eu tive com 'Pixote', de Hector Babenco, com quem fiz 'O Passado', em 2007, foi crucial para a minha formação e vem à minha cabeça sempre que penso na forma como a América Latina representou suas feridas sociais nas telas. Quando Iãrritu e eu fizemos 'Amores Brutos', atravessamos o mesmo terreno de urgência social", disse Gael ao Correio da Manhã em depoimentos em edições passadas em Cannes e na Berlinale de 2024, quando "Amores Perros" entrou em restauro.

No fim dos anos 1990, Iñarritu teve US$ 2,4 milhões para rodar um "filme coral" (termo que designa tramas com vários núcleos narrativos que se tangenciam em alguma unidade temática) pavimentado sobre um desastre rodoviário. É um acidente de carro que rege o enredo de "Amores Brutos" A trama escrita por Guillermo Arriaga conta três histórias distintas que se entrelaçam na Cidade do México a partir de um acidente de automóvel. Numa, Octavio, que é dono de um cão utilizado em lutas clandestinas, deseja fugir com a cunhada; noutra, Daniel deixa a esposa para viver com uma modelo; na terceira via, o mendigo Chivo quer voltar à família. A colisão (no sentido mais trágico do termo) desses vértices gera uma geometria de dor.

"Nessa época, eu e o Diego Luna embarcamos em 'Y Tu Mamá También', num turbilhão de tramas críticas sobre um país que entrava no século XXI em busca de afirmação", disse Gael. Depois de conquistar o seu segundo Oscar de Melhor Direção, em 2016, por "O Regresso", um ano depois das estatuetas que recebeu por "Birdman", Iñárritu investiu no formato curta "Carne Y Arena", idealizada como videoinstalação, em 2017. Dali engatou um hiato, que só acabou em 2022, com "Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades".

Durante seu período sabático de cinco anos, quebrado apenas pela sua experiência como presidente do júri de Cannes, em 2019 (quando premiou o pernambucano "Bacurau"), o realizador, hoje sexagenário, resolveu olhar para si mesmo e fazer as pazes com o trágico. Descarrego de tragédias… essa foi a tónica da sua obra, na formação e no amadurecimento da sua identidade autoral, com "Amores Perros" (2000), o esquecido "21 Gramas" (2003), o já citado "Babel" e "Biutiful" (2010). Hoje consagrado como um 'darling' do mercado exibidor, pelas cifras milionárias que gerou, o cineasta surfou na chamada Nueva Onda latino-americana dos anos 2000, a corrente estética de revisionismo nos modos de (autor)representação do continente que revelou "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, e "O Invasor", de Beto Brant; os argentinos "El Bonaerense", "La Ciénaga - O Pântano" e "Nove Rainhas"; e os chilenos "Um Táxi Para Três" e "Machuca". Ali, ele procurava afirmar a sua territorialidade. É esse México em frangalhos, de traumas, que vai iluminar o MUBI FEST no Estação.

Essa restauração de imagem e som de "Amores Brutos" foi realizada em 2020 pela Criterion Collection, Estudio Mexico Films e Altavista Films. A imagem foi restaurada a partir do negativo original da câmara de 35 mm, que foi digitalizado em resolução 4K de 16 bits. A cor foi supervisionada e aprovada pelo próprio Iñárritu, bem como pelo diretor de fotografia Rodrigo Prieto, na Harbor Picture Company em Santa Monica, Califórnia. A restauração da imagem foi realizada na Criterion Collection, em Nova Iorque. A nova mixagem da banda sonora surround 5.1 foi criada na Cinematic Media e na Churubusco a partir dos troncos da trilha sonora arquivados digitalmente e da impressão master usando o Pro Tools da Avid e o iZotope RX.

Novos efeitos sonoros e trabalho de Foley dedicado foram adicionados em detalhes ao longo do filme. A nova banda de som foi supervisionada e aprovada por Iñárritu, bem como pelo editor/designer de som supervisor Martín Hernández, e mixada por Jon Taylor no NBC Universal StudioPost.