Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

João Amorim: 'O discurso ecológico só funciona com crianças se for vinculado à afetividade'

João Amorim, cineasta e animador | Foto: Divulgação

Misturar animação e fantoche para falar de ecologia para crianças - e para marmanjos com alma de Peter Pan -, com a elegância que "Thiago & Ísis e os Biomas do Brasil" faz, é o bicho! A cabeça por trás dessa aventura educativa, em cartaz neste fim de semana, já animou cults e fez até documentário de alta voltagem política. Fez carreira em Nova York, na Curious Pictures, onde foi animador e supervisor criativo em produções como "A Turma do Bairro", "O Diário da Barbie" e "Mini-Einsteins". Entre 2014 e 2020, liderou a produção de conteúdo da "Vila Sésamo" no Brasil, com programas exibidos na TV Cultura e TV Brasil. Em 2021, lançou a série pré-escolar "Thiago & Ísis e os Segredos do Brasil", exibida na TV Brasil, Canal Futura e Globoplay. A série deu origem ao filme de que fala no papo a seguir, celebrando as narrativas infantojuvenis.

Qual é a articulação dramatúrgica entre o filme e a série "Thiago e Ísis"? E que novos públicos ele pode alcançar?

João Amorim: O universo de "Thiago & Ísis" nasceu num momento em que eu era diretor-geral da "Vila Sésamo" no Brasil. Ali desenvolvi uma expertise com fantoches e com uma linguagem voltada à infância. Na última temporada da série, introduzimos quadros voltados à cultura regional, o que despertou ainda mais o desejo de aprofundar esse tema de forma genuinamente brasileira. Assim que surgiu a série "Thiago & Ísis e os Segredos do Brasil". O filme é uma continuidade natural, mas com estrutura mais cinematográfica, explorando a relação das crianças com a natureza e os biomas. A história nasce após eu ler uma reportagem sobre a reintrodução de uma lobinha-guará — a Pequi — no Cerrado. Isso me emocionou e deu origem ao enredo. A partir dali, fizemos pesquisas para incluir também o Pantanal e a Mata Atlântica.

Qual é o desafio de estruturar narrativas que conversem com crianças no audiovisual de hoje?

O desafio é encontrar um equilíbrio entre encantamento e profundidade. As crianças de hoje são muito visuais, imediatistas, mas também profundamente sensíveis. Trabalhar com bonecos e animação é uma forma de criar conexão emocional direta, porque essas linguagens têm empatia, humor e leveza. O discurso ecológico só funciona com crianças se estiver vinculado à afetividade. Mostrar um animal em perigo e colocar uma criança como parte da solução — como acontece no caso da lobinha Pequi — mobiliza cuidado, engajamento e pertencimento. Elas se sentem capazes, e isso é fundamental. Você só consegue cuidar de alguma coisa se você gosta dela! A música também é um recurso essencial. Temos canções com letras originais que misturam ritmos como hip-hop, funk e reggae, mas também samba, moda de viola e sertanejo, refletindo nossa diversidade rítmica.

Qual é o papel de César Coelho, um dos criadores do Anima Mundi, no seu cinema?

César é parceiro de longa data e referência no meu percurso como diretor. Nossa relação começou no final dos anos 1990, quando nos envolvemos em um projeto que infelizmente nunca saiu do papel: uma animação sobre Daya, uma menina indígena. Mesmo naquela época, compartilhamos a vontade de contar histórias brasileiras, com olhar sensível e respeito à diversidade. Em 2001, tive a alegria de participar do Anima Mundi, com o curta "Não Fique Pilhado", que fiz com meu irmão Vicente e o Carlos Duba — e que acabou premiado. Desde então, estive envolvido em diversas edições do Anima Mundi, tanto como realizador quanto como espectador e admirador. Nos últimos anos, nossa parceria se aprofundou. César foi o diretor de animação do documentário "Utopia Tropical", no qual criou sequências belíssimas e expressivas que ajudaram a dar leveza visual a temas complexos. Agora, ele está diretamente envolvido em "Thiago & Ísis e os Biomas do Brasil" e também em "Amazonika: A Origem", como diretor de animação. Além da excelência técnica, ele tem uma escuta rara, sensibilidade narrativa e um compromisso profundo com o público infantil. É alguém que entende que a animação pode ser divertida, poética e politicamente relevante ao mesmo tempo.

Em que pé está o projeto "Amazonika: A Origem"?

É um longa de animação 3D que estamos desenvolvendo em coprodução com a CCTV Animation, subsidiária da China Media Group, e com a LC Barreto, no Brasil. O projeto já está financiado na parte chinesa e atualmente buscamos a captação da parte brasileira via Lei do Audiovisual. Até aqui, já desenvolvemos dois tratamentos de roteiro, criamos os principais personagens e cenários, e temos uma base sólida para avançar na produção assim que a captação brasileira for concluída. Antes dele, nosso foco é o lançamento de outro projeto também em coprodução com a China: a série "Hoho e o Som do Brasil", uma animação 3D voltada para o público infantil. A série acompanha um panda DJ — o Hoho — em uma jornada sonora pelo Brasil ao lado de um mico-leão-dourado e uma capivara. A proposta é promover a diversidade musical e cultural do país de forma divertida, com episódios curtos e ritmo envolvente. A intenção é lançar a série já em 2026, dentro da celebração oficial do Ano da Cultura Brasileira na China e da Cultura Chinesa no Brasil, fortalecendo esse intercâmbio cultural.