Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Um filme que não aceita devoluções

Josi Larger e Carla Cristina Cardoso no filme 'Devolva-me' | Foto: Fred Borba/Divulgação

O Amanhã que se vê em "Devolva-me", o primeiro longa-metragem de Camila Cohen, tem cara de hoje, carrega uma dor - uterina - milenar em seu registro sobre rejeição e desconexão, mas embala uma esperança que parece ser "para sempre". Assim como o oscarizado "Ela" (2013), de Spike Jonze, sua perspectiva sobre o porvir deste nosso mundo dispensa as traquitanas voadoras da ficção científica varejão, porém, conversa com as cartilhas do filão sci-fi "distopia" ao levantar uma premissa digna dos melhores exemplares do gênero: a privatização do amor. No caso, o "amar" que interessa à sua narrativa, pavimentada num roteiro escrito por Gustavo Calenzani, está no âmbito da relação materna.

O mote: numa Brasil onde a adoção é proibida, crianças são alugadas por agências regulamentadas. A inspiração: em nosso país, milhares de crianças são devolvidas após tentativas fracassadas de adoção.

"Nem penso nessa história como sendo algo que se passe num futuro, mas, sim, numa linha de tempo distante da nossa, como um mundo paralelo. O maior trabalho do nosso departamento de arte foi afastar essa realidade do cotidiano com que a gente está acostumado", explica Camila ao receber o Correio da Manhã na casa de shows Blue Note, em Copacabana, que integrou os sets de filmagem de sua empreitada, com produção de Priscila Martz - Multiplot Filmes. "A sociedade que está refletida no filme é aquela que deixou de acreditar nos laços de amor, e não apenas por culpa dos governos. É uma realidade em que crianças são tratadas como produtos".

Previsto para chegar às telas em 2026, "Devolva-me" põe a atriz Josi Larger para contracenar com sua filha, Ludy. O enredo acompanha a transformação afetiva da jornalista Nathalia (papel de Josi) depois de "alugar" a pequena Sara (Ludy) por não conseguir engravidar. O que começa como um teste se transforma em um vínculo profundo e inquebrantável. Quando o sistema ameaça separá-las, Nathalia precisa lutar pelo direito de manter a menina consigo, mesmo que isso signifique desafiar as leis, a lógica e a própria sociedade. Um segundo abandono está anunciado, mas o amor pode detê-lo.

"Tento abordar a relação de mãe e filha sem partir do biologismo, para falar de laços que vão além da Biologia, no comprometimento do amor", explica Camila, ao orquestrar a construção de universo distópico, com uma "locadora de pessoas", povoado por figuras arquetípicas como Austero e Hilária.

Do outro lado das câmeras, aqui, no que chamamos de realidade, a estrela de "Devolva-me", Josi Larger, aguardou cinco anos na fila de adoção até que o destino a unisse a Ludy, que já possuía 8 anos na época. Josi desejava fazer um filme que abordasse o sentimento das crianças diante do desamparo e da falta de afeto, ainda que a trama seguisse trilhas ficcionais plenas de invenção. Além de protagonizar o filme, ela também atua como produtora associada, à frente de um elenco que inclui Carla Cristina Cardoso, André Mattos, Renata Castro Barbosa, André Ramiro, João Velho, Cosme dos Santos, Paula Frascari, Rodrigo Candelot, Angela Paz, Alexandre Amador, Nilson Nunes, Giovanna Faria, Lucas Duh, Manuela Granetti, Clarice Thompson, Alice Pastorello, Leo Casais, Nicholas Noah, Bernardo Martins Isaias e mais uma leva de talentos. A fotografia é do bamba Guga Millet.

"Não trabalhos com cores vivas, nem alegres, mas, sim, outonais, numa atmosfera peculiar em que aposto em atuações mais serenas, buscando densidade", explica Camila. "O sentimento de angústia está em cena, mas vemos pessoas que buscam não estarem sozinhas".