Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Um Drácula diferente na jugular de Locarno

'Drácula', a jocosa versão de Radu Jude para o vampirão romeno, concorre ao Leopardo de Ouro na 78ª edição do tradicional festival suíço | Foto: SagaFilm - Nabis Filmgroup

Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, cria da mente imparável de Chico Anysio (1931-2012), há de ter algum parentesco com o bebedor de sangue do "Drácula", do romeno Radu Jude, que levará o Brasil, em suas veias, à competição pelo Leopardo de Ouro de 2025, na Suíça, em agosto. Ao divulgar seus concorrentes deste ano, numa seleção de dar orgulho a seus parceiros do G7 dos festivais de prestígio GG da Europa (tipo Berlim, Cannes e Veneza), Locarno incluiu a releitura mucho loca que a Romênia faz de seu maior patrimônio folclórico.

Afinal, antes de virar livro, em 1897, nas mãos do dublinense Bram Stoker (1847-1912), Vlad Tepes Draculea (1431-1476), o Empalador, viveu neste mundo e, segundo os livros de História, matou gente a rodo, à frente do Principado da Valáquia, ali ao norte do Baixo Danúbio e ao sul dos Cárpatos Meridionais.

Esperam-se imagens documentais, sátira política, espinafradas na União Europeia e (talvez) terror dessa nova visão sobre sua lenda, que tem a RT Features, do carioca Rodrigo Teixeira, entre seus produtores. Antes de estar ao lado de Walter Salles na conquista do Oscar dado a "Ainda Estou Aqui", o produtor, radicado em São Paulo, foi à Berlinale, em fevereiro, apoiar Jude em outro longa-metragem, "Kontinental '25", também produção sua, que saiu da capital alemã com o prêmio de Melhor Roteiro.

Com direção artística comandada por Giona A. Nazzaro, Locarno agendou sua 78ª edição de 6 a 16 de agosto, abrindo sua maratona com "Le Pays D'Aarto", de Tamara Stepanyan. "Dracula" vai passar por lá numa leva de 17 produções que caçam os Leopardos metálicos do evento, que já coroou o cinema brasileiro muitas vezes. Jude esteve lá antes com "Não Espere Muito Do Fim Do Mundo" ("Nu Astepta Prea Mult De La Sfârsitul Lumii"), uma comédia que saiu de terras suíças com o Prêmio do Júri e hoje pode ser vista na MUBI. O diretor passa por lá - ou por qualquer outro evento - cheio de moral, amparado no impacto que causou, em meio à pandemia, com "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" ("Bad Luck Banging or Loony Porn"), que lhe rendeu o Urso de Ouro em 2021.

"A poesia que pode existir no cinema que eu faço vem do choque entre a ficção e o documentário, numa espécie de retorno aos irmãos Lumière (os inventores da linguagem cinematográfica, inaugurada por eles em 1895). Rodei 'Kontinental '25' com um smartphone e me pergunto o que os Lumière filmariam se tivessem um celular", disse Jude ao Correio da Manhã na Berlinale.

Teixeira estava com ele no festival. "Radu é um diretor que admiro e que tem um trabalho espetacular", disse o produtor. "O cineasta brasileiro Gustavo Vinagre, a quem eu acabo de produzir, falou muito do Jude pra mim, no Festival de Berlim de 2024. Eu resolvi procurá-lo. Aí ele trouxe essa ideia do 'Kontinental '25', e isso ao mesmo tempo em que idealizava 'Dracula', que vem por aí".

A trama de "Kontinetal '25" se passa na região de Cluj, na Transilvânia, a pátria do vampirão de Bram Stoker. Em seu enredo, um sem-teto comete suicídio depois de ser expulso de seu abrigo no porão de uma casa. Orsolya, a oficial de justiça que executou o despejo, é impelida a fazer várias tentativas para lidar com seus sentimentos de culpa pela morte do sujeito. Pelo pouco que se sabe de seu "Drácula", a trama acompanha o empenho de Vlad para ser grandioso novamente, em sua Romênia natal.

"Godard dizia que assistia a partidas de futebol porque era a única transmissão audiovisual na qual ele poderia ver pessoas trabalhando por 90 minutos sem parar. Ver um jogo é ver trabalho. Gosto de mostrar pessoas ativas em suas rotinas laborais, pois elas revelam nosso dia a dia", disse Jude ao Correio, num recente Zoom.

Macaque in the trees
Jenifer Lopez recria o papel icônico de Sonia Braga na versão musical de 'O Beijo da Mulher Aranha', que encerra Locarno | Foto: Divulgação

Uma das atrações mais esperadas de Locarno este ano é a nova versão (agora musical) de "O Beijo da Mulher Aranha", o livro de Manuel Puig (1932-1990), que inspirou um dos maiores êxitos do diretor Hector Babenco (1946-2016), em 1985. Agora, Jennifer Lopez encarna o papel que foi de Sonia Braga. O longa, dirigido por Bill Condon, passa no encerramento do festival, e tem Diego Luna e Tonatiuh nos papéis que foram de Raúl Julia (1940-1994) e William Hurt (1950-2022), que ganhou o Oscar pela versão de Babenco, interpretando o decorador Molina.