Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A Europa é logo ali, nas telas: Produções do Velho Mundo ocupam espaço em circuito carioca

Noémie Merlant é a Emmanuelle do século 21 | Foto: Manuel Moutier/Divulgação

 

Se Hollywood espera tomar o circuito exibidor mundial todinho pra si, ao voar planeta adentro com "Superman" de James Gunn, apoiado numa direção inegavelmente magistral, sua chance de trombar com uma ofensiva europeia de fôlego é alta... pelo menos nas telas do Brasil. Kal-El saiu dos quadrinhos e voltou trincadão de excelência no desempenho de David Corenswet, só que a leva de atrações do Velho Mundo hoje em cartaz no Rio de Janeiro oferece concorrência, pelas vias da elegância, à nova aventura do super-herói de Metrópolis.

A disputa fica quente em especial no terreno dos debates antissexistas com a dramédia francesa "Três Amigas", de Emmanuel Mouret, e a chegada da nova versão de "Emmanuelle", dirigida por Audrey Diwan e estrelada por Noémie Merlant.

A adaptação para os anos 2020 de um clássico da prosa erótica, celebrizado 41 atrás na forma de um fenômeno de bilheteria, chega ao Brasil esta semana, depois de brilhar no 1º Festival de Cinema Europeu Imovision - golaço de seu distribuidor, Jean Thomas Bernardini. Ganhadora do Leão de Ouro de Veneza de 2021 por "O Acontecimento", Audrey, que também é escritora e roteirista, repagina (e empodera) uma personagem essencial às tramas de representatividade do desejo feminino. Filme de abertura do Festival de San Sebastián, na Espanha, em setembro, "Emmanuelle" teve a sua primeira exibição pública em concurso pela Concha de Ouro, numa sessão inaugural em que deflagrou um debate sobre as buscas pelo prazer numa sociedade de radical vigilância. Na trama, uma inspetora de qualidade de uma cadeia mundial de hotéis viaja a Hong Kong para inspecionar um complexo hoteleiro de luxo e, lá, esbalda-se em alcovas das mais liberais. A primeira tomada dela na fita é uma metonímia: um take das suas pernas.

"Buscava discutir a forma como a sociedade contemporânea lida com a busca pela satisfação", disse a realizadora ao Correio na conferência de imprensa do filme, onde confessou não ter visto por inteiro o "Emmanuelle" original. "Só vi 20 minutos. Entendi, logo de cara, que não faço parte do público que ele ambiciona encontrar. Eu tive mais interesse pelo livro (no qual se baseia), no impulso de trabalhar a linguagem cinematográfica do erotismo".

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Maternidade é o foco de 'Pedaço de Mim', de CEP francês | Foto: Divulgação

Também da França nos chega "Pedaço De Mim" ("Mon Inséparable"), de Anne-Sophie Bailey, que fez parte do garimpo do Festival de Veneza. Na trama, Mona (Laure Calamy) vive em um pequeno apartamento com seu filho adulto Joël, que é PCD. Ele está perdidamente apaixonado por sua colega de trabalho Océane, também PCD. Mona desconhece o relacionamento dos dois. Quando Océane engravida, escolhas devem ser feitas.

O Reino Unido movimenta nossas salas com "Hot Milk", lançamento da MUBI que valeu uma indicação ao Urso de Ouro para a dramaturga britânica Rebecca Lenkiewicz. Ambientado num suarento verão espanhol, esse drama acompanha a cruzada de uma enferma em estado grave, Rose (Fiona Shaw), a fim de dar cabo de sua doença, arrastando a filha, Sofia (Emma Mackey), numa jornada pela cidade de Almería onde recorre ao Dr. Gómez (Vincent Perez), curandeiro que pode ter a chave para sua misteriosa moléstia. Naquele ensolarado Éden ibérico, Sofia se liberta de suas inibições ao se encantar pelo magnetismo de Ingrid (Vicky Krieps), amazona que esbanja lascívia. Tem sessão da fita de hoje até terça no Estação Net Rio, às 20h45.

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Indicado ao Globo de Ouro e premiado em Veneza, 'Vermiglio' comprova a vitalidade italiana no cinema | Foto: Divulgação

A Itália reforça esse bonde europeu com "Vermiglio", ganhador do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza. Seu ator de maior relevo nasceu na região de Vieste e se chama Tommaso Ragno. Ele encarna retidão no retrato que a realizadora Maura Delpero faz de um momento crítico da II Guerra, numa área alpina onde o conflito parecia distante. No papel do professor Cesare, Tommaso, no seu silêncio devastador, balizado pela melodia baixinha de uma música clássica no gramofone, parece sintetizar todo o espírito de introspeção de uma pátria em crise. Chegou da Noruega o vencedor do Urso de Ouro da última Berlinale: "Dreams (Sex Love)", de Dag Johan Haugerud. Seu enredo faz uma ode à literatura ao narrar angústias da aspirante a Clarice Lipector chamada Johanne (Ella Øverbye) no registro (em prosa) de suas fantasias sentimentais por uma mulher mais velha, que jamais a enxerga com desejo.

Falam alemão dois filmaços estrelados por divas germânicas hoje em nossas salas: "O Grande Golpe Do Leste", com Sandra Hüller, e "Stella: Vítima e Culpada", com Paula Beer.