Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Omar Sy é herói em qualquer latitude

Omar Sy é um operativo renegado de um agência armada até os dentes da qual vira desafeto em 'Shadow Force' | Foto: Paris Filmes

Quarto dos oitos filhos da faxineira mauritana Diaratou e do mecânico senegalês Demba, Omar Sy virou uma certeza de bilheterias colossais para a Europa quando "Intocáveis" (2011) fechou sua carreira comercial com 19,5 milhões de ingressos de vendidos. Convocado faz pouco para estrelar "Dumas - Diable noir", o francês de 47 anos vem somando cifras altas para exibidores de todo o planeta filme após filme, brilhando ainda no streaming, vide a série "Lupin", na Netflix.

Estima-se que até dezembro a plataforma voltará a sorrir à força da mobilização midiática que ele causa, com a estreia de "French Lover", de Lisa-Nina Rives, no qual ele contracena com Sara Giraudeau numa comédia romântica nos moldes de "Uma Linda Mulher" (1990). Antes disso, aqui no Brasil, seus fãs têm compromisso com ele noutra latitude dramatúrgica, a dos filmes de ação, no que periga ser um dos thrillers de mais alta voltagem de 2025: "Shadow Force". Com direção de Joe Carnahan, esse "Rambo" com toques sentimentais estreia neste fim de semana, sem medo da concorrência (pesada) com "Superman".

"Todo filme tem um lugar na tela, e, quando se trata de narrativas de gênero, elas ganham espaço quando fazem a nossa cabeça", disse Omar ao Correio da Manhã, em sua passagem pelo júri oficial do Festival de Cannes, em 2024, quando "Shadow Force" estava no forno.

O astro fala em inglês, sem disfarçar o sotaque, sob a batuta de Carnahan, diretor que tem cults como "Narc" (2002) em seu currículo. Seu estilo de filmar pancadaria tem requinte plástico fino, vide o esquecido "Esquadrão Classe A" (2010). "Gosto de explorar a inquietação de personagens que experimentam a proximidade da morte a cada dia", disse Carnahan em entrevista via Zoom ao Correio quando fez um de seus hits, "Mate ou Morra" (2021), com Frank Grillo, antes da gênese de "Shadow Force". "A violência do mundo real, injustificável, assusta qualquer um. Diante desse assombro, que os meus filmes buscam é entender a solidão de quem lida com a brutalidade continuamente".

É esse o caso de Isaac, personagem de Sy, em "Shadow Force". Ele e Kyrah (Kerry Washington) já foram líderes de um grupo multinacional de forças especiais (cujo nome é o título do longa), mas quebraram as regras dessa organização ao se apaixonarem. Para proteger o filho que tiveram, eles se rebelaram contra a instituição. Com essa rebeldia, uma recompensa foi estipulada pela cabeça do casal, o que garante a Carnahan a chance de rodar sequências em que a adrenalina nos afoga. Esse afogamento, contudo, não tira o oxigênio do debate social.

"Tento sempre estar atento às histórias de opressão, principalmente aquelas que formalizam a agressão sobre os corpos negros a partir de uma farda", disse Sy ao Correio durante o Festival de Berlim de 2020, quando laçou "Polícia: Turno da Noite" ("Police", 2020), dirigido pela franco-luxemburguesa Anne Fontaine, que hoje pode ser visto na Prime Video da Amazon, sem ter passado pelas telonas nacionais.

Nele, temos uma crônica tensa sobre a jornada de três policiais (Virginie Efira, Omar Sy e o surpreendente Grégory Gadebois) empenhados em levar um refugiado (Payman Maadi, de "A Separação") ao Charles De Gaulle, a fim de deportá-lo para a pátria onde ele sofreu toda a sorte de mazelas.

"Estive em outros filmes que também mostram essa obrigatoriedade servil que foi imposta a populações negras. Tento entender a cabeça de pessoas forçadas a lutar por um continente que não é o seu", disse Sy ao Correio, em meio às filmagens do eletrizante "The Killer", de John Woo, também na Amazon Prime.

Em 2024, antes de seu trabalho como jurado em Cannes, ele impressionou a crítica com "O Caso Dos Estrangeiros" ("A Stranger's Case"), de Brandt Andersen. Essa produção da Jordânia é um drama coral que lembra "Babel" (2006), uma vez que o conflito de um segmento afeta o outro. Ganhou o Prêmio da Anistia Internacional da Berlinale pela forma feroz com que expõe a batalha de um grupo de pessoas para escapar da violência na Síria, incluindo uma médica e um soldado filho de um herói local. Um mercenário interpretado magistralmente por Sy cruza o caminho de todos, com seu caráter nada louvável.