Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

À luz de Stanley Kubrick

'Barry Lyndon' teve sua cópia restaurada em 4k exibida em Cannes, em maio, e volta aos cinemas no dia 18 | Foto: Warner Bros

Reverenciado por cineastas do mais alto quilate autoral (entre eles, Domingos Oliveira e Kleber Mendonça Filho), "Barry Lyndon" (1975) voltará às salas de exibição, em circuito internacional, a partir do próximo dia 18, nas comemorações dos 50 anos de sua estreia, num tributo ao esplendor visual alcançado pela genialidade da direção de Stanley Kubrick (1928-1999). Depois de uma projeção na seção Classics do 78° Festival de Cannes, em maio, a produção de US$ 12 milhões, baseada na prosa de William Makepeace Thackeray (1811-1863), volta aos cinemas dos EUA e da Europa, restaurada em 4k.

A restauração seguiu as instruções de uma carta enviada por Kubrick, em 8 de dezembro de 1975, a projecionistas, com exigências acerca de como o longa deveria ser exibido. Uma digitalização do negativo original em 35mm foi feita sob a supervisão de Leon Vitali, assistente pessoal do mítico cineasta. Sua busca obsessiva pela perfeição cercou a trama, ambientada no século XVIII, de folclores, galvanizados pela conquista de quatro Oscars (Figurino, Direção de Arte, Trilha Sonora e Fotografia).

Ímã de aplausos em Cannes, o épico extraiu um desempenho impecável de Ryan O'Neal (1941-2023), então no auge de sua popularidade, após "Love Story" (1970) e "Lua de Papel" (1973), que o fez ir além do rótulo de galã. Ele vive Redmond Barry, um alpinista social irlandês oportunista do século XVIII, descrito por Thackeray como um trapaceiro, que se casa com uma viúva rica para assumir uma posição aristocrática. Seu nome na nobreza passa a ser Barry Lyndon. Em meio a duelos, traições e mortes que cercam sua jornada em busca de dinheiro, Kubrick pinta um quadro cínico e cruel do mundo de "sangue azul".

Na iluminação das cenas, o bruxo nova-iorquino que a adotou o Reino Unido como seu bunker exercitou sua destreza técnica ao máximo. Ele almejava que "Barry Lyndon" lembrasse pinturas de mestres do século XVIII, como Johannes Vermeer (1632-1675) e Antoine Watteau (1684-1721). Para conseguir essa façanha, algumas cenas foram filmadas à luz de velas, usando lentes especiais desenvolvidas inicialmente para a NASA.

Macaque in the trees
Stanley Kubrick no set do longa que recria a suntuosidade da corte europeia | Foto: Warner Bros

"Eu queria criar uma imagem que nunca traísse sua época", explicou o realizador de "Laranja Mecânica" (1971), em depoimento publicado no site oficial de Cannes. "A luz tinha que parecer natural, como se estivesse vindo de um tableau vivant, de um quadro vivo".

Um dos causos de bastidor mais famosos do longa, que arrecadou cerca de US$ 20 milhões na venda de ingressos, envolve a opção de Kubrick em fazer com que as roupas dos personagens fossem confeccionadas apenas com tecidos de época, dos 1700, sem nenhuma alteração.

Depois do sucesso retumbante de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (que, em 1968, custou US$ 10,5 milhões e faturou US$ 146 milhões), Kubrick alcançou prestígio suficiente para se mudar pra Inglaterra e viver em reclusão, filmando quando e como queria. Nesse isolamento dos holofotes, ele se dedicou a um projeto - sobre o qual escreveu um misto de argumento e catálogo de referências de cerca de 500 páginas - sobre a vida do Imperador Napoleão Bonaparte, que não conseguiu filmar. Atualmente, seu amigo e fã Steven Spielberg anunciou que vai transformar a saga napoleônica de Stanley em uma minissérie para a plataforma Max, onde é possível encontrar pérolas de sua trajetória autoral, como "O Iluminado" (1980).

Parte considerável de sua filmografia pode ser vista na Prime Video da Amazon. Nesta quarta, às 19h30, no Estação Net Rio, o pesquisador de autoralidades fílmicas Gustavo Valente lança o livro "Momento Crítico", em que passa o legado de Kubrick em revista. No depoimento a seguir, ele destaca o caráter pictórico de "Barry Lyndon":

"Já me perguntaram algumas vezes por que todos que amam a sétima devem assistir aos filmes de Stanley Kubrick. Bem, aqui vão alguns motivos: o perfeccionismo Noir de 'O Grande Golpe'; o travelling pela trincheira em 'Glória Feita de Sangue'; as performances de Peter Sellers, George C. Scott e Sterling Hayden em 'Dr. Fantástico'; a humanidade incompreendida de Hal 9000; a estilização máxima e o poder argumentativo de 'Laranja Mecânica'; a gradativa insanidade sofrida pelo personagem de Jack Nicholson em 'O Iluminado'; o segmento inicial de 'Nascido Para Matar'; e o desfile de máscaras (literal e metafórico) em 'De Olhos Bem Fechados'. Espero que eu tenha te convencido".

Em setembro, "Barry Lyndon" terá sessões em cinematecas da França.