No dia 30 de julho, quando o ganhador do troféu Grande Otelo de Melhor Ator Coadjuvante for anunciado, na Cidade das Artes, durante a premiação da Academia Brasileira de Cinema de 2025, o espírito resiliente da Baixada Fluminense estará lá, no certame, representado por Átila Bee. Aos 42 anos, o artista nascido na Rua Estanho, no bairro Parque Alian, em São João de Meriti, está no páreo de uma das mais simbólicas honrarias do audiovisual deste país. Concorre à láurea por seu desempenho em "Malu".
O longa-metragem rendeu o Redentor de Melhor Filme ao diretor Pedro Freire no Festival do Rio, em outubro passado, e retrata a convulsiva relação familiar de uma atriz em crise (papel de Yara de Novaes). Átila interpreta um amigo fiel dessa estrela cadente, Tibira. Com 27 anos de trajetória artística, ele fala ao Correio da Manhã da relevância política de sua indicação.
Como você avalia a produção cultural da Baixada hoje, como um todo, e de que forma definia a inquietação artística da região em seus anos de formação?
Átila Bee - Hoje a Baixada tem variados e importantes prêmios nas prateleiras de muitos grupos e companhias de teatro do território. E qual a importância disso? Tornou-se impossível não enxergar a produção artística diferenciada e qualificada que nós temos. São décadas de produção contínua sem visibilidade, sem teatros pra que a gente pudesse estar em cartaz nos nossos 13 municípios. E eram raríssimas as oportunidades de pauta nos teatros da capital. Mudou muito. Hoje somos uma grande rede, com profissionais muito experientes e que têm marcado presença em festivais pelo país inteiro. Muita história rolou até que pudéssemos romper com essas barreiras e estarmos em todos os espaços. Mas a Baixada segue carente de aparelhos públicos. Por outro lado, contamos com espaços de cultura incríveis como o Goméia Galpão Criativo, o Instituto Cultural Cerne, a escola Fábrica de Atores, o Grupo Código... Todos ambientes de estudo e trabalho, que pautam espetáculos, mostras e festivais.
Qual é a sua Baixada? Que cultura ela produzia?
A minha Baixada segue sendo o que sempre foi: talentosa e extremamente batalhadora. Mas não pode seguir trabalhando com tão pouco ou sem recursos. Os fomentos culturais continuam chegando aqui de maneira muito desigual. O processo é lento e os valores ainda são pequenos pra quantidade e qualidade das tantas produções que temos aqui. Esse olhar e as ações em torno dessa distribuição de patrocínios pelo estado precisam mudar urgentemente.
O que o Tibira, o personagem que te consagrou em "Malu", mandaria de recado para a ala conservadora de um Rio que segue Cidade Partida?
Mudando um pouquinho o maravilhoso texto que ele diz para a Dona Lili, a personagem da gigante Juliana Carneiro da Cunha, acredito que ele diria: "Eu não vou deixar o conservadorismo de vocês acabar com a nossa arte. Jamais!".
De que maneira "Malu" te abriu portas e que novos caminhos se desenham agora?
"Malu" é um grande filme. Muito bem criticado, circulou por importantes festivais, ficou tempos em cartaz, fez um barulho... O setor passa a te olhar de outro jeito, mas oportuniza pouco ou nada. É importante seguir atento, investindo na carreira, nas parcerias, cavando outros espaços, porque as oportunidades não batem na porta do ator negro a todo instante. É preciso ter estratégia após um trabalho desse. Nós é que seguimos criando oportunidades.
Que trabalhos você desenha, no palco, para sua companhia, a KarmaCirculus Teatro?
A companhia tem onze anos de história, um repertório bem bonito e muita coisa a ser tirada da gaveta. Mais uma vez: é construção de oportunidades. A gente continua forte desenhando esse repertório afro-centrado, com equipe majoritariamente preta, fazendo espetáculos que emocionem a Baixada e pra além dela.