Abre-alas da (controversa) lista Cem Melhores Filmes do Século XXI, do "The New York Times", com "Parasita" (Palma de Ouro de 2019), na qual figura com "Memórias de um Assassino" (2003) também (em 99° lugar), o sul-coreano Bong Joon Ho não tem o que reclamar de 2025. Envolvido com um projeto de animação já a caminho, o cineasta emplacou um dos raros cults de 2025, que começa a aparecer nas enquetes dos melhores longas-metragens do semestre ao chegar ao streaminmg, a MAX (ex-HBO): "Mickey 17". Passou fora de competição pela Berlinale nº 75, em fevereiro, e virou blockbuster em circuito, ao faturar US$ 131 milhões nas bilheterias. Entre a fantasia e a gargalhada, sua trama marca o regresso de Bong Joon Ho à direção de longas depois de um hiato de quase seis anos.
"Costumo me ver como um realizador de filmes de gênero, que lida com cartilhas próprias, mas que busca fugir de obviedades, partindo do princípio de que 'família' é um patrimônio universal", disse Joon Ho, em recente passagem por Cannes.
Agora, via Max, o público brasileiro vai embarcar com ele numa viagem mucho loca por um mundo gelado, Niflheim, a arena de "Mickey 17", que pode se tornar uma colônia de exploração para a Terra se uma horda de criaturas com aspecto de ácaro, porém com tamanho GG, colaborar.
A fim de mapear a fria imensidão daquele ambiente, o governo envia para lá "descartáveis" (em inglês, expendables), degredados do processo capitalista, sem um pau pra dar no gato, que passam por um processo de copiagem (ou clonagem). O indivíduo se alista, submete seu DNA a um tipo de impressora 3D de printar gente e é copiado à exaustão. Daí o "dezessete" ao lado do nome do personagem principal, Mickey Barnes, confiado por Bong ao inglês Robert Pattinson.
"É algo trágico e cômico ao mesmo tempo", disse Joon Ho na Berlinale.
Cercado de êxitos profissionais, Pattinson é um ímã de plateias desde "A Saga Crepúsculo" (2008-2012), só que com um diferencial: ele só atua em projetos de grife autoral que o desafiem. "Bong tem uma forma única de extrair riso de ações físicas de seus personagens, como eu o vi fazer em 'Memórias de um Assassino', e tentei me sintonizar com isso", disse Pattinson em resposta ao Correio da Manhã na abarrotada coletiva de imprensa de "Mickey 17" dada durante a Berlinale, no dia 15 de fevereiro, quando a produção orçada em cerca de US$ 110 milhões (há fontes que falam em US$ 80 milhões) fez sua pré-estreia internacional. "Queria algo humano e inusitado para a sci-fi", disse Joon Ho na Berlinale.
Sua sessão de gala foi ovacionada e a sessão de imprensa também rasgou corações. Havia gente acampada na porta do hotel Hyatt, uma das sedes do Festival de Berlim, para ver a chegada de Pattinson e sacar uma foto de um ator que, há 13 anos, deu um basta na demanda mais burocrática das corporações hollywoodianas para travar parcerias com cineastas com fina autoralidade, a começar pelo canadense David Cronenberg, que o dirigiu em "Cosmópolis" (2012) e "Mapas Para As Estrelas" (2014). Dali pra frente, filmou com Claire Denis ("High Life"); Antonio Campos ("O Diabo De Cada Dia", hoje na Netflix); os irmãos Josh e Bennie Safdie ("Bom Comportamento"); Robert Eggers ("O Farol", produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, ganhadora do Prêmio da Crítica de Cannes); James Gray ("Z: A Cidade Perdida"); e Christopher Nolan ("Tenet").
Não bastasse isso tudo, ele ainda é o atual Bruce Wayne. Assumiu o manto do Cruzado de Gotham City em "The Batman" (2012), que faturou US$ 770 milhões e concorreu a três Oscars sob a batuta de Matt Reeves.
"O Robert nao para de me desafiar como ator", diz o dublador Wendel Bezerra, a voz oficial de Pattinson na versão brasileira de seus longas, inclusive "Mickey 17". "Ele traz uma faceta nova a cada filme. E incrível como ele realmente e capaz de vestir personagens completamente diferentes. Dessa vez, contracena consigo mesmo e ate o timbre de voz ele mudou. Foi um trabalho desafiador e prazeroso".
Wendel se refere aos encontros entre Mickey 17 e Mickey 18. Houve ainda um Quinze e um Dezesseis na trama filmada por Bong com base no romance "Mickey7", de Edward Ashton. O enredo que vem da literatura fala da confusão em que o falido Mickey Barnes (Pattinson) se mete ao aceitar viajar para Niflheim, consciente de seu "descarte" e sua troca por uma versão copiada de si, sem defeitos aparentes, que preserve a memória do organismo antecessor. Nesse processo de singrar o espaço e explorar um admirável planeta novo, ele vive uma tórrida paixão por uma colega, a rebelde Nasha (Naomi Ackie), figura essencial no levante armado contra o político populista Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua mulher, Yilfa (Toni Collette), signos de poder associados à depredação de novas fronteiras estelares.
"O assustador de 'contracenar' consigo mesmo é que você não tem a medida de ritmo, pois faz uma parte da cena sozinho, e, depois, faz a outra", disse Pattinson, ao justificar o perfil bem distinto entre os Mickey 17 e 18, numa linha humorística que lembra o cômico Buster Keaton, ícone da Era Muda. "Usei elementos dos animes japoneses ao interpretar".
Na Berlinale, "Mickey 17" conquistou fãs e elogios, dando a seu diretor uma nova carga de excelência. Ganhador de quatro Oscars em 2020, semanas antes de a pandemia da covid-19 começar, "Parasita" fez de Bong Joon Ho (também se escreve Joon-ho ou Joon-Ho) um dos cineastas de maior culto da atualidade, aclamado ainda por "O Hospedeiro" (2006) e "Mother: A Busca Pela Verdade" (2019). A produção que oscarizou a ele e a Coreia do Sul - hoje disponível na grade da Amazon Prime - custou US$ 11,4 milhões e faturou US$ 258 milhões, estabelecendo-se como um arrasa-quarteirão. Antes dela, ele teve experiências de dirigir longas de língua inglesa em "Expresso do Amanhã" (2013) e "Okja", da Netflix (indicado à Palma de Ouro de 2017). Trabalhou com Tilda Swinton em ambos, tendo ainda estrelas do quilate de Chris Evans, Paul Dano e Jake Gyllenhaal em seus elencos.
Em maio, em Cannes, Pattinson foi visto em "Die, My Love", de Lynne Ramsay, e deve estar no Festival de Veneza, ali pelo dia 30 de agosto com "The Drama", de Kristoffer Borgli, em par com Zendaya. Trabalha de novo com Nolan no projeto "A Odisseia", baseado em Homero.