Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Céline Sciamma, o retrato de uma diretora em brasa

Estação exibe 'Retrato de Uma Jovem Em Chamas' nesta terça, às 21h, em Botafogo | Foto: Divulgação

Pela quantidade de camisetas à venda na internet, em sites gringos e nacionais, estampadas com imagens de "Retrato De Uma Jovem Em Chamas" ("Portrait De La Jeune Fille En Feu"), a exibição desse cult, hoje, às 21h, no Estação NET Botafogo, há de lotar. Com 312 mil ingressos vendidos em sua terra natal, a produção francesa de 2019, coroada com o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes, virou um marco das representações LGBTQIAPN nos últimos seis anos. Não por acaso, integra a programação da mostra "Quem Quer Queer?", do Grupo Estação, sempre movimentada de gente.

Seu prestígio fez de sua realizadora, Céline Sciamma, uma grife de excelência nas telas da Europa. Seu último filme no comando da direção foi o curta-metragem "This Is How a Child Becomes a Poet", de 2023. Na sequência, escreveu "As Mulheres da Sacada" ("Les Femmes Au Balcon", 2024) para a atriz Noémie Merlant. Ao largo da sessão desta terça na Voluntários da Pátria n°88, um outro filme admirável dela se destaca nas plataformas de streaming: "Pequena Mamãe" ("Petite Maman"), indicado ao Urso de Ouro de 2021. É um esboço de fábula, sobre o universo infantil. Ganhou o prêmio de júri popular no Festival San Sebastián na Espanha e a láurea de melhor filme no Festival de Estocolmo.

Pequenininho (70 minutos), silencioso e sem gordurinhas, este drama fala de rito de passagem, sobre crescer, fotografado com a luz encantadora de Claire Mathon. No tênue limiar entre histórias para miúdos e dramas de luto para gente grande, "Pequena Mamãe" traça de uma maneira libertária as fronteiras entre aquilo que parece um fato e o que se supõe imaginação. Aos 8 anos, Nelly (Joséphine Sanz) sabe que a sua mãe vai se afastar, para resolver alguns problemas, deixando ainda mais oca a casa de campo da sua avó, que acaba de morrer. Às vésperas de partir daquele mundo de matas verdes, ela conhece outra menina (Gabrielle Sanz), que, não por acaso, tem o mesmo nome da sua mãe: Marion. Ali começa um jogo de projeção que, por alguns minutos, leva-nos a nos sentirmos numa fábula, parecendo ser tudo inventado pela cabeça da protagonista. Mas, por vezes, tudo é de um realismo que dói, e arrebata, como tudo de Céline, que conversou com o Correio da Manhã, via Zoom, durante o fórum Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français.

"Esse longa foi feito na base da confiança do mercado e dos cinéfilos, que me deram uma chance de filmar um projeto pequenino, sem nenhuma pressão, com protagonistas mirins e uma única ambição: tirar do papel essa ideia sobre sublimação do luto que me perseguia há anos. Ele foi escrito para ser curtinho", disse a realizadora, nascida em Pontoise, há 46 anos.

"Lírios D'Água" ("Naissance des Pieuvres") marcou a estreia de Céline como cineasta, em 2007, e "Tomboy", vencedor do troféu Teddy na Berlinale, em 2011, garantiu sua fama, que alçou novos horizontes com "Retrato De Uma Jovem Em Chamas". Com 60 prêmios no currículo, esse drama romântico foi produzido ao custo de € 4.860.000,00. Na trama, a pintora Marianne (papel de Noémie) chega a uma ilha na Bretanha. Uma condessa a encarregou de pintar um retrato de sua filha Héloïse (Adèle Haenel), que está noiva de um nobre milanês. Marianne é informada de que Héloïse se recusa a posar para um retrato porque não deseja se casar. Portanto, Marianne foi apresentada a Héloïse como sua dama de companhia e a acompanhou em seus passeios diários, analisando e memorizando suas características para que pudesse copiá-las na tela. Aos poucos, uma paixão avassaladora nasce entre elas.

"O sentimento de perda me instiga", disse Céline ao Correio, em Cannes. "Escrever filmes é traduzir desejos em palavras".