Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Jacopo Quadri: 'A montagem é um mundo isolado'

O montador italiano Jacopo Quadri vem ao Brasil | Foto: Divulgação

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Um currículo capaz de somar experiências com Sophia Loren ("Rosa & Momo"), Apichatpong Weerasethakul ("Mal dos Trópicos") e Bernardo Bertolucci (o inesquecível "Os Sonhadores") é mais do que razão para qualquer cinéfilo dar um pulo na Universidade Federal Fluminense (UFF), no dia 30 de junho, às 14h, para aplaudir o montador milanês Jacopo Quadri. No mesmo dia, às 18h, o responsável pela edição de cults como "Io e Te" (2012) participa de uma sessão especial do filme "Berlinguer - La Grande Ambizione", de Andrea Segre, no Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro.

Esses eventos se articulam com a programação da 8 ½ Festa do Cinema Italiano, que vai desta quinta até 2 de julho, em solo carioca, dividindo-se entre o Estação NET Rio e o Estação NET Gávea. A abertura, este ano, fica a cargo de "Gloria!", de Margherita Vicario. Esse festival se espalha ainda por São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Caxias do Sul, Maceió, Aracaju, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Araraquara, São Carlos e Campinas. Editor de "Fuori", de Mario Martone, que concorreu à Palma de Ouro de Cannes, em maio, Jacopo trabalhou em "Bicho de Sete Cabeças" (2000), da diretora paulista Laís Bodanzky, num intercâmbio da Itália com o audiovisual brasileiro. Na entrevista a seguir, via Zoom, de Roma ele relembra essa e outras parcerias.

Existe uma linha criativa pessoal que orienta sua forma de montar filmes?

Jacopo Quadri: Não existe linha, pois o trabalho muda de filme a filme, de cineasta a cineasta, mas existe um conceito, que se baseia na escuta. A experiência foi me tornando mais pacato a cada juízo que preciso fazer das imagens que me apresentam. Começo a montagem quando os filmes estão ainda em fase de rodagem e apresento uma primeira versão, um corte inicial, que é bem fiel ao que sai dos sets. A partir dele, vamos descobrindo o filme.

A MUBI acaba de disponibilizar em sua grade "Bicho de Sete Cabeças", que fez de Rodrigo Santoro um ator respeitado pelo cinema brasileiro no fim de 2000. O senhor montou o longa de Laís Bodanzky com Letizia Caudullo. Como foi essa experiência com o Brasil?

Ali pelo fim dos anos 1990 e início de 2000, (o curador) Marco Müller, ligado à produtora Fabrica, buscava novos talentos de outras culturas nos quais investir. Laís (Bodanzky) e Luiz Bolognesi (roteirista de "Bicho...") estavam em Roma e nos aproximamos. Foi muito afortunado esse nosso encontro, pelo talento deles. O meu maior desafio era entender o que eles me traziam sem impor a marca italiana que carrego à história que se buscava contar ali. Com Apichatpong Weerasethakul, da Tailândia, em "Mal dos Trópicos", o processo foi parecido.

O senhor tem no currículo um filme ganhador de Leão de Ouro, que é "Sacro GRA" (2013), e um vencedor de Urso de Ouro: "Fogo no Mar", de 2016. Ambos são documentários e os dois têm Gianfranco Rosi, cineasta da Eritreia, como realizador. Vocês fizeram ainda "Notturno", de 2020, hoje também na MUBI, que observa o Oriente Médio. O que a não ficção de Rosi te traz de mais forte?

Ele é um cineasta muito particular sobretudo por trabalhar num tempo longo. Assim, um esboço que eu faço num primeiro momento pode ser descartado rapidamente, pois novos materiais aparecem. Com ele, eu trafego por uma estrada que muda, mas mantém a sua essência.

O quão solitário é o ofício da montagem e como ele muda com a tecnologia digital que as ilhas de edição têm hoje?

A edição de um filme não é um trabalho coletivo, embora eu tenha assistentes a me ajudar, sempre. Um set precisa de um chefe para orquestrar muita gente que está ali, mas é democrático. A montagem é um mundo isolado em que a pessoa responsável por editar vai se confrontar com realidades distintas, criadas por cineastas e suas equipes, e propor uma média das imagens que vê. Estar sozinho facilita a concentração. Já a tecnologia traz entre as suas vantagens a rapidez. A velocidade de acesso ao material filmado é maior. É mais rápido.

Como o senhor avalia o cinema que a Itália faz hoje?

Diria que com medo. Com medo de que o governo siga a privilegiar a produção mais rica. É sempre uma dificuldade fazer um filme livre e de autor.

Qual foi o filme que te fez amar o cinema italiano?

"O Conformista", de Bertolucci, inspirou-me em muita coisa, mas diria também "Rocco e Seus Irmãos", de Luchino Visconti.