Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Sganzerle-se: obra do diretor brasileiro é destaque em streaming europeu

Paulo Villaça é lava em erupção na narrativa de 'O Bandido da Luz Vermelha', hoje na Filmin e no Itaú Cultural Play | Foto: Divulgação

Patrimônio de valor inestimável do cinema de invenção do Brasil, a obra de Rogério Sganzerla (1946-2004) se espalha pela streaminguesfera silenciosamente, arrebatando fãs em terras (e telas) europeias à força de filmes definidos como expressões de liberdade. Homenageado há dois anos na Suíça, com uma sessão de "Abismu" (longa de 1977, também chamado de "O Abismo") no Festival de Locarno, o diretor catarinense (de Joaçaba) hoje tem uma aba só sua na plataforma digital Filmin, uma espécie de Netflix ibérica, acessível via Portugal e Espanha e dedicada a narrativas artística pautadas pelo refinamento ou pelo radicalismo.

Seis produções de Rogério estão no cardápio desse empório cinéfilo, na URL www.filmin.pt. "O Bandido da Luz Vermelha", sua obra-prima, laureada com o troféu Candango de Melhor Filme no Festival de Brasília de 1968, está lá, como um estandarte de sua filmografia cheia de som e de fúria. Pelo repertório oferecido pelo streaming luso, a Europa entende o legado de experimentações pop, antropofágicas, tropicalistas de um diretor que serenou há 21 anos, deixando por estrear "O Signo do Caos" (2003), um poema em metragem longa sobre a preservação de uma memória em erosão.

As lavas desse vulcão - lançado comercialmente há exatamente 20 anos, chancelado por um prêmio de Melhor Realização em Brasília - voltam à erupção na Filmin, com a possibilidade de o Velho Mundo ver "A Mulher de Todos" (1969), com Helena Ignez. Também diretora (e das mais viscerais), Helena é a companheira de vida e de trabalho de Rogério, mãe de suas filhas, as cineastas Sinai e Djin.

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Europa redescobre Rogério Sganzerla via streaming | Foto: Marcos Bonisson

Encontram-se pela Filmin ainda "Sem Essa, Aranha" e "Copacabana Mon Amour", ambos de 1970, e "Nem Tudo É Verdade", de 1986, com foco no cinema do realizador e ator Orson Welles (1915-1985). Esse estudo cheio de ironia sobre as influências wellesianas na arte passou pela Berlinale, no fim década de 1980, levando a arte de Sganzerla a um dos maiores festivais do planeta, realizado na Alemanha.

Apaixonado por "O Bandido da Luz Vermelha", o crítico e curador suíço Giona A. Nazzaro - que há cinco anos remodelou o Festival de Locarno fazendo do evento um dos mais prestigiados fóruns de imagem do planeta - foi um dos maiores responsáveis pelo resgate recente do olhar de Sganzerla Atlântico afora. Segundo ele, o diretor brasileiro de SC e radicado entre São Paulo e o Rio de Janeiro é um estandarte da inquietude mais demiúrgica que o Brasil conheceu nas telas, a partir dos anos 1960:

"Se Sgarnzerla tivesse nascido na França, ou na Itália, ele seria reverenciado como um gigante entre os realizadores de seu tempo", disse Giona, quando exibiu "Documentário" (1966) e "Abismu" em terras helvéticas.

Vanguardista para as plateias que o viram na estreia, "O Bandido da Luz Vermelha" pode ser acessado em perímetro brasileiro via Itaú Cultural Play. Sua narrativa é conduzida pela voz de interlocutores radiofônicos que anunciam o noticiário policial. Embrenhados pelas ruas da Boca do Lixo, o Quadrilátero do Pecado, autoridades se empenham na captura do criminoso do título (vivido por Paulo Villaça), um marginal bárbaro e temido pelas famílias de bem. Enquanto isso, Luz narra a sua escalada na senda do crime e reflete sobre a existência.

Quem zapear o site Porta Curtas vai encontrar joias de Sganzerla: "HQ", de 1969, lá intitulado "Histórias em Quadrinhos"; "Brasil" (1981); e "A Linguagem de Orson Welles", de 1990. No Embaúba Play, rola ver imagens do jovem Rogério e de La Ignez em "Extratos", de Sinai Sganzerla. Lá se encontra ainda "Luz na Trevas" (2010), sequência tardia de "O Bandido", com Ney Matogrosso no elenco.

Na Prime Video da Amazon, é possível ver "Mulher Oceano" (2020), dirigido por Djin Sganzlera, que ao lado da irmã e da mãe mantém em curso uma estética de coragem.