Vai morar com Satanás se não aguenta mais o tal do novo terror - a ondinha que troca espanto por papo cabeça ao revirar as tripas do sobrenatural para fazer discurso político -, ou corre pro cinema, para virar inquilino do "Prédio Vázio". É um "Poltergeist" em Guarapari (ES), só que com mais sangue e vísceras à mostra do que o cult de Tobe Hooper. Entrou lá, ficou! Não há como pedir desquite do casamento sensorial que a gente engata quando entra no universo do diretor capixaba Rodrigo Aragão, um signo vivo da linhagem do horror na América Latina. A escolha da atriz Gilda Nomacce (de "Ausência"), a Bette Davis de Ituverava (SP), para abrir as portas das trevas em um Airbnb demoníaco amplia seu prestígio como realizador.
"Encarno um organismo desequilibrado que passa o filme todo procurando afeto", explica Gilda ao falar de sua personagem no novo filme do realizador de "O Cemitério das Almas Perdidas" (2020), que lança "Prédio Vazio" neste fim de semana candidatando-se a cult. "Rodrigo, como eu, gosta de algo que não é naturalista e realista".
Wes Craven do Espírito Santo, Aragão vê na comparação com grandes mestres da fantasia sombria (como o criador de Fred Krueger) o reconhecimento de uma das mais criativas trajetórias entre os realizadores das Américas que se debruçaram pelo Além como veio de expressão. Em 2008, seu "Mangue Negro" desatacou-se em mostras de filmes de gênero por utilizar efeitos especiais rudimentares com uma inteligência inegável. Passou pelo Fixion Sars Fantastic Festival, no Chile, e pelo Morbido Festival, no México, angariando fãs. "A Noite do Chupacabras" veio na sequência, em 2011, com mais coágulos derramados, chamando atenções no Festival Rojo Sangre, em Buenos Aires, e noutros eventos. Mobilizando a mídia internacional, Aragão viu sua grife estética se consagrar como um herdeiro do legado de José Mojica Marins (1936-2020), o Zé do Caixão, aclamado por cults como "Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver" (1967).
"Tento sempre cantar a minha aldeia, só que da forma mais fantástica possível", disse Aragão ao Correio da Manhã. "No meu cinema, eu tento seguir a cartilha de Sergio Leone (diretor de "Era Uma Vez No Oeste" e "Era Uma Vez Na América") que consiste em usar um gênero como envelope para falar da vida. Faço questão de que meus monstros sejam de fantasia, pois, aqui no Brasil, os telejornais já escancaram o terror da realidade, e o fazem o tempo todo".
Em "Prédio Vazio", encontra-se uma centelha dos assombros mais pé-no-chão do Brasil na sequência em que um jovem é roubado na praia ao confiar, ingenuamente, seu celular a um transeunte, a quem pede uma foto. Só que a cota de maldades comprovadas por estatísticas termina aí. O resto é metafísica... só que do tipo que causa dor. Na trama escrita por Aragão, a jovem Luna (Lorena Corrêa) busca sua mãe (Rejane Arruda) desaparecida durante o último dia de Carnaval em Guarapari. Imagens de época e uma música antiga, que vende os encantos da cidade, qual um hino lúdico, delineiam o passado daquele local idílico, onde existe um edifício que sé usado - para locação - durante os dias da folia. A sinistra figura vivida por Gilda é a única moradora fica do local e arrasta segredos...e algo mais.
"Esse é meu sétimo filme. Eu levei seis filmes até fazer dos espíritos os meus monstros em parte porque todos nós vamos morrer um dia", diz Aragão, que é também um especialista em efeitos especiais. "O prédio do filme foi construído por nós. Nosso mar por vezes é feito de plástico e o céu é de algodão. O desafio aí vem da representação do Mal. Numa floresta, ninguém sabe o que esperar. Um elevador todo mundo sabe o que é e como é. Como se assustar com ele? Quem nos ajudou nisso foi São Dario Argento (diretor italiano consagrado por filmes de horror chamados de Giallo). Botei todo mundo para assistir um clássico dele, 'Suspiria', a fim de entender como fazer diferente, e aqui... no Espírito Santo. Quero continuar em Guarapari, que adoro, e inaugurei aqui meu estúdio. Rodei tudo aqui, assumindo um visual setentista, como o cult do Argento, que é de 1977. Com o mínimo de recurso de máquina eu quero o máximo de recurso de vida".