Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A resignação do Velho Mundo em 'Síndrome da Apatia'

Um casal de imigrantes russos e suas filhas encaram a burocracia da Suécia em 'Síndrome da Apatia' | Foto: Les Films du Worso


Estatísticas formuladas pela União Europeia em seu último censo (2024) registram 10 milhões de habitantes ao largo dos 131,9 km² que correspondem à área total do estado grego, pátria de Zeus, que, pelas contas do realizador Alexandros Avranas, conta com apenas 500 mil euros anuais para investir em sua produção cinematográfica. Não por acaso, ele - consagrado com o prêmio de Melhor Direção no Festival de Veneza de 2013 por "Miss Violence" - integra um bonde de cineastas que saíram da Grécia, cheios de prestígio, e foram viabilizar suas produções autorais em outros territórios do Velho Mundo.

"Síndrome da Apatia" ("Quiet Life"), que o cineasta nascido em Lárissa, na Tessália, em 1977, lança no Brasil neste fim de semana, é uma coprodução entre França, Alemanha, Estônia, Finlândia e Suécia, onde a trama se passa.

"A Grécia, como Portugal, é encarada como um país periférico de concentração populacional pequena, que saiu de uma crise econômica numa Europa que recebe refugiados de outras nações todos os dias, mas não olha para eles como se fossem pessoas e, sim, como números", disse Avranos em entrevista via Zoom ao Correio da Manhã.

Exibido por aqui em abril, no Festival de Cinema Europeu da Imovison, sua distribuidora em terras brasileiras, "Síndrome da Apatia" toma o título emprestado da condição neurológica, também chamada de "síndrome de resignação", que afeta apenas crianças, a maioria delas em diáspora, num êxodo ligado a situações traumáticas. Quem sofre esse trauma "desliga", ou seja, para de andar, de falar ou mesmo de abrir os olhos.

"Esse assunto é uma batata quente na Suécia, visto que na maioria dos casos, poucos eram alarme falso e servem de balanço para o que é a vida familiar hoje. Eu comecei a escrever esse roteiro na pandemia e fui visitar regiões suecas logo que pude para entender a situação, ciente de que o meu foco dramatúrgico não seria a síndrome em si e, sim, a solidão dos refugiados. A perspectiva que adoto é a deles, sob uma lógica kafkiana da burocracia", disse Avranos". "Meu compositor de trilhas sonoras chegou a sugerir que eu não tivesse música no filme, mas optei por ópera, por ela traduzir uma certa quietude, que dá o tom do longa".

No drama rodado por Avranos, indicado a prêmios na mostra Horizontes de Veneza do ano passado, os imigrantes Natalia (Chulpan Khamatova) e Sergei (Grigoriy Dobrygin) estão às voltas com esse problema com sua filha caçula, Katja (Miroslava Pashutina). Esse casal fugido da Rússia (por conflitos políticos) está em busca de asilo em terras suecas quando o pedido de asilo deles é rejeitado. Após o "Não!" das autoridades escandinavas, Katja desmaia e entra num coma, sem razão biológica aparente. Diante desse quadro, sua mãe e seu pai tentarão de tudo para conseguir abrigo e criar a atmosfera segura de que a menina precisa para despertar. O problema é que a filha mais velha deles, Alina (Naomi Lamp), começa a desenvolver um comportamento violento na escola. Sua agressividade reflete o outro lado da tal síndrome.

"Nesse contexto, Sergei tenta se afirmar na sua masculinidade ao acreditar que, por meio de suas convicções, ele possa mudar a sociedade. No entanto, ao sair da Rússia e perder a chance de reagir contra um governo de que discorda, ele se vê estagnado. De certa forma, a 'Síndrome da Apatia' é uma alegoria para a condição dele. Já a mãe reage. São sempre as mulheres que nos salvam", explica o diretor, cujos filmes anteriores podem ser vistos na plataforma Reserva Imovision e na Prime Video da Amazon, onde estão "Não Me Ame" (2017) e "Crimes Obscuros" (2016), com Jim Carrey num clima de mistério. "Esse filme não tem o meu corte final, por ingerência de produtores. Tenho agora uma comédia sombria em desenvolvimento".