Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'Dreams', um porvir norueguês para o querer

Uma ilusão amorosa movimenta o filme que deu o Urso de Ouro a Dag Johan Haugerud | Foto: Agnete Brun/Divulgação

Amar é também um verbo do porvir, do futuro, o que torna este Dia dos Namorados uma data para se olhar adiante e ver o que existe de romântico para chegar ao circuito, numa triagem que nos leva ao ganhador do Urso de Ouro da última Berlinale: a joia norueguesa "Dreams (Sex Love)". Com sessões agendadas no Festival de Sydney, na Austrália, para este domingo, o longa-metragem de Dag Johan Haugerud (um cineasta nascido em Eidsberg há 60 anos) chega em nossas telas em 26 de junho, com promessa de sucesso. Passa antes pelo Festival de Taipei, em Taiwan, a reboque do boca a boca elogioso que conquistou em praças germânicas.

Em fevereiro, a produção explodiu nas telas da competição oficial da Berlinale como o mais fofo dos concorrentes exibidos. Formou-se um fã-clube em torno desse painel geracional da juventude escandinava que o define como um retrato essencial para o amor queer. Na ativa desde 1998, Dag virou um ímã de holofotes depois de sua vitória na Alemanha.

"Acredito que saber olhar o outro é um caminho essencial para se criar uma dramaturgia que traduza o nosso tempo", diz Haugerud ao Correio da manhã, apoiado na força de um elenco encabeçado pela jovem Ella Overbye e pela veterana Anne Marit Jacobsen.

Enxuto, com 110 minutos, "Dreams (Sex Love)" é parte de um projeto que Dag idealizou a fim de entender modos de amar, de gozar e de temer o querer. Ele integra uma trilogia antecedida por "Sex" e "Love", ambos de 2024, já lançados por aqui. Antes, a notabilidade do cineasta vinha do filme "Nossas Crianças" (2019). Agora, ele assume um lugar de relevo na indústria audiovisual de uma pátria natal conhecida pela diva bergmaniana Liv Ullmann. Seu país gerou vozes autorais como Erik Poppe ("Utoya 22 de Julho"), Maria Sodahl ("Ficaremos Bem"), Kare Bergstrom ("O Lago dos Mortos") e Hans Petter Moland (de "O Cidadão do Ano"), que hoje é parceiro habitual de Liam Neeson por trás das câmeras, filmando em Inglês. De lá vem ainda Joachim Trier ("A Pior Pessoa Do Mundo"), que ganhou o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes, em maio, com (o colossal) "Sentimental Value".

"Embora a Noruega seja um país de mente aberta, enfrentamos questões em nosso dia a dia, ligadas à aceitação a angústias comportamentais, que são desafiadoras", disse Haugerud.

Na trama de "Dreams (Sex Love)", ele faz uma ode à literatura ao narrar o processo de escrita de uma adolescente (papel de Ella) no registro (em prosa) de suas fantasias sentimentais por uma mulher mais velha, que jamais a enxerga com desejo.

"Se a partir do exercício literário, uma pessoa for capaz de reescrever quem é, ela pode criar uma representação melhorada de si melhor", disse Haugerud ao Correio da Manhã em Berlim. "A literatura é um instrumento de reinvenção".

O já citado "Valor Sentimental" ("Sentimental Value"), concorrente da Noruega à Palma de Ouro, também está no Festival de Sydney e passa por lá neste sábado. Joachim Trier e Renate Reinsve, sua estrela, alcançam alquimia plena num drama familiar sobre paternidade, fraternidade, teatro e cinema com um Stellan Skarsgård em estado de graça. O ator vive um cineasta que tenta convencer a filha atriz a estrelar um roteiro que espelha o suicídio da mãe dela. A imã da tal estrela tenta moderar os conflitos dos dois, que cresce quando o realizador chama uma vedeta americana (Elle Fanning) para protagonizar um argumento relativo às suas crias. Renate tem sequência devastadoras para si, numa estrutura narrativa que sufoca a cada revelação.