Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Brilho eterno do universo animado de Michel Gondry brilha em Annecy

'Maya, donne-moi un autre titre' traduz em desenho as aventuras de Michel Gondry com sua filha | Foto: Divulgação

Macaque in the trees
Festival de Annecy logo | Foto: Divulgação

Considerada a Meca da animação, por sediar o maior festival do setor, Annecy é famosa por um lago do qual toma seu nome emprestado, fica a 35 quilômetros de Genebra, na Suíça, e soma 130 mil habitantes que, nesta segunda-feira, hão de se estapear para prestigiar a estreia mundial de "Maya, Donne-Moi Un Autre Titre", atraídos pela mítica em torno de seu realizador: Michel Gondry.

Mago dos videoclipes na década de 1990, o cineasta francês ganhou um Oscar, 20 anos atrás, por aquela que talvez seja a love story mais tocante (ou, no mínimo, a mais original) do século XXI: "Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças". Ninguém amou Kate Winslet com mais ardor... pelo menos nas telonas... do que Jim Carrey, que superou até o benquerer de Leonardo DiCaprio por ela em "Titanic" (1997). Ainda existe lirismo na fase atual do diretor de 62 anos, porém ela caminha por um terreno mais infantojuvenil. A filha pequena dele é personagem e coautora de seu mais novo exercício autoral, assim como foi em "Maya, Me Dê Um Título", exibido na Berlinale, em fevereiro, e laureado com o Urso de Cristal na mostra Generation, dedicada a crianças e adolescentes.

Macaque in the trees
Michel Gondry e sua filha, Maya, na sessão da Berlinale onde a primeira parte de seu díptico foi laureada com o Urso de Cristal | Foto: Berlinale/Divulgação

"Concebi esses projetos para me comunicar com a minha filha e incorporei elementos que são parte do imaginário dela, como uma batata frita especial, construindo sua musicalidade a partir de um banco de sons que encontrei na internet, sem buscar que melodia e imagem tivessem uma conexão direta", disse Gondry ao Correio, em Berlim, quando seu desenho animado virou uma febre. "Quando eu expliquei pra ela o que queria fazer, sua resposta foi um sincero: 'Bora, vamo fazer'. O maior barato do cinema animado é que, em sua dramaturgia, você pode colocar o mundo em perigo e escalar uma menina como a Maya de bombeira sem medo nenhum de estar incorrendo em algo sem empatia, sem humanidade. Não é Bergman".

Em sua passagem pelo Rio, há 16 anos, com direito a encontro com Caetano Veloso e criação de oficinas de criação, em meio a uma retrospectiva de sua obra, o diretor de "Maya, Donne-Moi Un Autre Titre" descobriu que muita gente aprendeu a amar (ou acha que aprendeu) assistindo a "Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças" (2004). Talvez ele não encontre tempo de ver as produções brasileiras que estão por Annecy este ano, como o belíssimo curta "Safo", de Rosana Urbes, e o longa-metragem de coprodução com o Peru "Nimuendajú", de Tania Cristina Anaya. Gondry tem mais uma projeção de seu filme na quarta e ainda teve que dar um colóquio lá sobre sua gênese profissional, nos clipes da MTV. "Human Behavior", com Björk, é o mais aclamado deles.

"Quando a gente fazia esses vídeos musicais, no passado, havia televisão. As pessoas tinham o hábito de parar por horas... uma hora que fosse... para ver os filmes que fazíamos para músicas que viraram hit com a preocupação de não deixar a forma plástica daquelas narrativas ultrapassar a beleza da história narrada nas letras. Hoje, as pessoas assistem a clipes no YouTube como querem. Elas não têm mais espaço na agenda para reverenciarem as tramas que poderiam ser montadas a partir de canções, pois o celular ocupa a atenção de todos e nos devora. Já 'Brilho Eterno...' foi muito importante. Ele me ensinou que o problema de um artista é você reverter um fracasso, não, um sucesso que se sustenta por tanto tempo. O que existe é um desafio para que eu faça um filme mais falado do que ele", disse Gondry, que já vem sendo cotado para a categoria anima do Oscar de 2026 pelas duas aventuras com Maya.

Ele tem ainda um musical (em live action), inspirado na infância do cantor Pharrell Williams, para lançar. Se chama "Golden" e tem Brian Tyree Henry, Halle Bailey e Kelvin Harrison Jr. no elenco. Em paralelo, plataformas de streaming se abrem para seus trabalhos mais recentes, entre eles "O Livro das Soluções" ("Le Livre Des Solutions"), que ele lançou na Quinzaines des Cineástes de Cannes, em 2023, e está agora, no Brasil, na Apple TV.

Nos streamings da Imovision e a da Amazon Prime, é possível conferir outra joia de Gondry nunca exibida em circuito comercial por aqui (só no Festival do Rio): "A Malta e Eu" (2012). "Fiquei um tempo trabalhando numa adaptação do livro 'Ubik', de Phillip K. Dick, mas acabei nas mãos de um roteirista que me dava trabalho. Apesar disso, nunca parei", disse Gondry ao Correio, explicando que "Maya, Donne-moi Un Titre", projetado na Berlinale, e seu díptico, "Maya, Donne-moi Un Autre Titre" carregam ecos de seus tempos de menino, na década de 1960. "Eu não curtia super-heróis, mas era ligado nas HQs belgas e em narrativas do Leste da Europa, com algum carinho por certas produções da Disney", explica o realizador. "'A Viagem de Balão', dirigido por Albert Lamorisse, foi o primeiro filme que me chamou a atenção, quando garoto. Isso tudo está na animação", recorda.

Annecy segue até o próximo dia 14.