Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Adam Elliot: 'A vida é feita dos contrários'

Adam Elliot: 'Não quero deprimir o público, mas quero dar ao cinema enredos densos, que deixem a plateia exausta. A vida não é leve' | Foto: Iñaki Luis/SSIFF

Apesar da bilheteria mirradinha, na casa de US$ 7,5 milhões, "Memórias de um Caracol" ("Memoir of a Snail") foi indicado ao Oscar de Melhor Animação e ganhou 13 prêmios de peso, a começar pelo troféu Cristal, láurea principal do maior festival do mundo quando se fala em filmes com desenhos, computação gráfica ou bonequinhos de massa, o que é o caso. Adam Elliot, seu diretor, impressionou a crítica não só pela meticulosidade de suas esculturas de resina, mas por uma dramaturgia capaz de balancear o melodrama com tragédia e riso.

Em cartaz no Brasil daqui a dois dias, o longa-metragem conta o calvário enfrentado por Grace Pudel, uma órfã que o mundo todo esculacha sem dó. Sua narrativa se estrutura nas bases do stop-motion, técnica na qual objetos são animados quadro a quadro, tipo "Fuga das Galinhas" (2000) e "Coraline" (2008). O humor que brota dele vem da ironia típica de Elliot, ganhador do Oscar de Melhor Curta-metragem Animado de 2004 por "Harvie Krumpet". Mais conhecido por "Mary e Max - Uma Amizade Diferente" (2009), o cineasta regressa aos holofotes narrando as penúrias de Grace, uma colecionadora de moluscos, separada do convívio de seu amado irmão gêmeo, uma das poucas almas neste mundo que a tratam como amor. Além dele, aparece em seu caminho uma abilolada senhora, Pinky, fã de charutos cubanos, vai atenuar suas angústias.

Na entrevista a seguir, promovida pela Golden Globe Foundation, via Zoom, Elliot lamenta o fim do Anima Mundi, maior evento de seu setor em território latino-americano, paralisado em 2019, em meio ao desmanche cultural promovido pelo governo Bolsonaro.

É inegável a melancolia de "Memórias de um Caracol" a ponto de despertar uma curiosidade técnica de dramaturgia: como encontrar a fronteira precisa entre o melodrama e o trágico?

Adam Elliot: Eu gravito por paradoxos, pois a vida é feita dos contrários. Sem trevas, a luz perde seu significado. O ponto é saber encontrar o balanço entre a dor e o riso. Não quero deprimir o público, mas quero dar ao cinema enredos densos, que deixem a plateia exausta. A vida não é leve. Ela é dura, mas tem respiros. Em "Memórias de um Caracol", eu proponho uma virada nos momentos finais para garantir um alívio à plateia após arrastar Grace pela lama da desgraça. O espectador que ficar vai ter um alívio.

O que o caracol representa como metáfora de Grace?

Eu cresci numa colônia de camarões, onde as pessoas viviam da pesca, com redes e arrastão por todo lado. O camarão é um animal que parece estranho, assim como outros seres marinhos exóticos. Posso dizer o mesmo do caracol, para além da arquitetura singular de sua concha. Ele não parece foco como, sei lá, uma joaninha. É um ser que se retrai quando tocamos em suas antenas. É um símbolo do que se passa com Grace, retraída em sua dor.

Criado em 1993 e interrompido há seis anos, o Anima Mundi foi o primeiro festival que exibiu seu cinema no Brasil. Que falta ele faz?

Animadores são, em geral, pessoas tímidas, que trabalham isoladas. Festivais de animação não apenas validam nossas ideias como geram um ambiente confortável para que a gente possa se expressar. Tudo o que eu fiz passou no Anima Mundi e lamento que ele tenha sido interrompido. Além do Brasil, tive também a chance de ser exibido na Colômbia, no México e na Argentina. Sinto que a América Latina entende a minha tristeza. Digo isso porque, na Austrália, meu trabalho esbarra com certa indiferença por ser considerado triste.

Como o tipo de narrativa que você constrói é financiada?

"Memórias de um Caracol" levou oito anos para ser inteiramente desenvolvido. Se não houvesse financiamento do governo, na Austrália, eu não existiria como artista. Imagina buscar financiamento para uma história que fala de suicídio, cura gay e masturbação, sendo uma animação para adultos. Depois de prontos, meus filmes vendem facilmente para distribuidoras, mas até saírem do papel, necessitamos do apoio governamental.