Em meio à boa acolhida da crítica a "Virginia e Adelaide", que rodou em parceria com Yasmin Thainá, o gaúcho Jorge Furtado mobiliza as salas de cinema a partir deste fim de semana com o regresso às telas de seus dois filmes mais badalados, relançados juntos, em combo, pela Sessão Vitrine Petrobras: "Ilha das Flores" (1989) "Saneamento Básico, o Filme" (2007). O primeiro é considerado o mais inventivo curta do cinema nacional e o segundo, uma comédia ecológica, é uma aula sobre como fazer cinema nos moldes das comédias tristes da Itália à la Ettore Scola.
Ao mesmo tempo, uma série de títulos do cineasta mobilizam o Globoplay, como "Houve Uma Vez Dois Verões" (2002), "O Homem Que Copiava" (2003), "Meu Tio Matou Um Cara" (2004) e "Real Beleza" (2015). A Amazon Prime, rola ver "O Auto da Compadecida 2", fenômeno popular com 4,2 milhões de ingressos vendidos, do qual ele foi roteirista.
Ainda no streaming da Globo, encontra-se a ousada releitura da prosa de Guimarães Rosa que ele ajudou a conceber com Guel Arraes: "Grande Sertão", de 2024. Essa releitura em forma de distopia de um marco da literatura em língua portuguesa hoje se encontra no menu do Globoplay, que funciona como uma espécie de retrospectiva digital da trajetória do realizador, com direito ao curta-metragem que fez sua fama mundo afora depois de conquistar o Urso de Prata da Berlinale de 1990, o já citado "Ilha das Flores". A chance de vê-lo agora em telona é imperdível. Com narração digressionista de Paulo José (1937-2021) e montagem fragmentada, esse pequeno grande filme denuncia com humor ácido as desigualdades sociais e os absurdos do sistema de consumo, num estudo sobre a produção desenfreada de lixo.
Nas décadas de 1980 e 1990, Furtado povoou o imaginário audiovisual do Brasil com joias em formato pílula como "Temporal" (1984), rodado em duo com José Pedro Goulart. Hoje estão em cartaz no site Porta Curtas algumas pérolas do diretor, como "O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda" (1986); "Barbosa" (rodado em parceria com Ana Luiza Azevedo, em 1988); e "O Sanduíche" (2000).
Quando passou para os longas, no início dos anos 2000, sempre conectado à tevê, ele fez da "furtadice" (seu estilo de diálogos em pingue-pongue) uma marca, presente até no .doc "O Mercado de Notícias" (2014), sobre a prática do jornalismo, que pode ser visto na plataforma Curta!On. Com "Saneamento Básico, O Filme", ele dirigiu Fernanda Torres e Wagner Moura. O roteiro dessa crônica de costumes acompanha a mobilização dos moradores de uma pequena vila de colonização italiana no sul do Brasil que, diante da falta de recursos para construir uma fossa séptica, decidem produzir um filme de ficção para captar uma verba pública destinada à produção audiovisual.
Em cartaz Brasil adentro, o supracitado "Virginia E Adelaide" leva Furtado e Yasmin Thainá ao encontro de duas mulheres extraordinárias: a brasileira Virgínia Bicudo e a alemã Adelaide Koch. Virgínia, ícone das lutas antirracistas, foi a primeira psicanalista brasileira. Adelaide, psicanalista judia, veio para o Brasil em fuga do regime nazista na Alemanha. Elas se conheceram em novembro de 1937, em São Paulo, no momento em que Getúlio Vargas decreta o Estado Novo. O convívio entre elas inspira um tratado sobre sororidade.