Recuperado de um indício de infarto sofrido logo após a pandemia, Bob Odenkirk retoma no dia 21 de agosto as rédeas do que periga ser uma das injeções de adrenalina mais fortes nas veias do cinemão: "Anônimo 2" ("Nobody 2"). Dono de um fã-clube volumoso formado na TV e posteriormente no streaming, por seu desempenho como o advogado bom de lábia Saul Goodman (também conhecido como Jimmy McGill), o ator vem ampliando seu prestígio no cinema em trabalhos capazes de transcender sua persona de Zé Pelintra em "Better Call Saul", série derivada de "Breaking Bad".
Brilhou em "Nebraska" (2013), de Alexander Payne. Roubou a cena em "The Post: A Guerra Secreta" (2017), de Spielberg. Agora é a vez de transformar numa potencial franquia o thriller que o colocou em modo Rambo, fazendo frente a muito "Velozes e Furiosos" por aí. Para vê-lo, é preciso recorrer à plataforma Amazon Prime.
Sem espaço em circuito por aqui, essa produção de US$ 16 milhões, "Anônimo" foi capaz de afirmar a potência popular de Odenkirk com uma receita estimada em US$ 57,5 milhões. Nela, há a certeza de que o mais patrulhado dos filões ainda tem espaço para se legitimar pelo êxito, um pouco como se viu, também este ano, com "Resgate Implacável", de David Ayer.
Seu apelo bruto reflete um processo evolucionista de autorregeneração do mercado, ao ser ferido por farpas morais: sempre que o politicamente correto corrói um gênero dramático, este se reestrutura por uma via B, pelo excesso. Foi o que aconteceu com o faroeste em sua transformação em spaghetti, via Itália, com "Por Um Punhado de Dólares" (1964). Sufocado sob a mordaça de aparelhos ideológicos, o cinema de ação atravessou os anos 2010 numa mutação similar à que se passou com o western, indo para uma instância de histeria e de taquicardia onde toda sua brutalidade é exponenciada a um limite do irrefreável, o que liberta a representação da violência física de qualquer amarra. Isso cria narrativas mais cinemáticas, de bestialidade gráfica. É o que se viu em "John Wick" (2014), uma obra-prima no emprego de todas as cartilhas do thriller que transformou o produtor e dublê David Leitch numa espécie de Midas. Seu modo poliédrico de enquadrar uma luta ou um tiroteio - isto é, sua habilidade de retratar uma briga de ângulos diversos - tornou-se uma grife, autoralíssima, que, mesmo indigesta para muitos, singulariza-se por desafiar pudores. O que começou embrionário na franquia com Keanu Reeves estendeu-se para outros projetos, como "Anônimo". Sua parte II será dirigida por Timo Tjahjanto e tem Sharon Stone como vilã.
Longe do arquétipo do abutre usurário de terninho de Saul, Odenkirk brilha neste ensaio nietzschiano do diretor russo Ilya Naishuller sobre "o lobo do homem". Seu personagem, Hutch Mansell, aparenta ser apenas o pacato gerente de uma metalurgia. Mas esse carvão bruto torna-se um diamante do mais alto quilate quando o cansaço de seu dia a dia de invisibilidades esgota sua paciência. Resguardado de seu instinto predatório, talhado ao longo de um passado de fúria, ele escolheu uma casca frágil para esconder toda a ferocidade de um miolo indomável. O desgaste no casamento e na vida com a filha e o filho alimentam ainda mais a vontade de potência de seu devir bandido, adormecido à força de um sonífero cuja química parece vencida. Quando um assalto em sua casa fere a monotonia em que se escudava, ele decide ir atrás dos ladrões e, no meio do caminho, descarregar tudo o que ficou encasulado. Uma vez que Mansell parte pra guerra, a edição de William Yeh e Evan Schiff aposta num fraseado curto, de arranjo sinuoso, onde uma pancadaria em um ônibus é narrada em múltiplos cortes, acelerando seu ritmo sem tirar a compreensão de cada plano.
Tudo fica ainda mais saboroso quando Christopher Lloyd, o Dr. Emmett Brown da franquia "De Volta Para o Futuro" entra em cena, como um ancião que impulsiona Mansell a ser quem de fato é. Quem passar por "Anônimo" com prazer, deve conhecer o filme anterior de seu diretor: "Hardcore: Missão Extrema" (2015).
No segundo filme, já a caminho, Hutch tira férias com seus entes queridos e, na viagem, encara o ataque de uma criminosa (Sharon) que ameaça sua mulher.