Ao entrar para o seletíssimo rol dos ganhadores da Palma de Ouro de Cannes, num time que, nos últimos dez anos, incluiu Jacques Audiard, Ruben Östlund, Hirokazu Koreeda, Bong Joon Ho, Julia Ducournau, Justine Triet e Sean Baker, o iraniano Jafar Panahi reconheceu em Cannes o quanto o risco à sua segurança aumentou. Seu país natal há tempos é azedo em relação aos filmes que ele faz desde "O Balão Branco" (ganhador da Camèra d'Or na Croisette em 1995).
O azedume é tanto que os líderes de sua nação já enfiaram o diretor de 64 anos na prisão duas vezes (em 2010 e 2022) e tratam sua obra como um atentado à dignidade do Irã. De lá não se ouviu comemoração oficial no último sábado, quando ele conquistou o prêmio máximo do Festival de Cannes por "Un Simple Accident".
O fato de se tratar de uma história de vingança de um torturado contra o agente de estado que o vitimizou complicou ainda mais as chances de o governo de sua pátria festejar a consagração de um realizador que, há três décadas, segue a pavimentar um legado autoral no qual poesia e indignação caminham juntos, numa linha (por vezes) tênue entre ficção, etnografia, documentário e semiótica. Quando capturado, Panahi fez greve de fome e mobilizou a Anistia Internacional.
Se em seu lar sua situação não é das mais confortáveis, planisfério cinéfilo adentro ele é objeto de adoração, a julgar a atual corrida (no streaming) pela produção cinematográfica dele. No Brasil, as plataformas Reserva Imovision, Telecine e Prime Video são o caminho para encontrar seus trabalhos, entre os quais "Táxi Teerã", pelo qual ele recebeu o Urso de Ouro da Berlinale, há dez anos.
"Para um cineasta, cada prêmio é um prazer e foi necessário muito trabalho para ganhar este troféu", disse Panahi em Cannes, com a Palma nas mãos. "Em um determinado momento, eu tinha muitas imagens diferentes passando pela minha cabeça. Estava pensando em todos os rostos dos meus amigos que estavam na prisão comigo. Naquela época, nós estávamos na cadeia, mas o povo iraniano estava nas ruas lutando pela liberdade. Naquele momento, eu disse a mim mesmo que estava feliz por eles".