Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O balé de Keanu Reeves

Com o astro em cena, o aguardado 'Bailarina' entra em circuito com a promessa de se tornar um dos mais rentáveis blockbusters do ano | Foto: Fotos/Divulgação

Esperado pelo Festival de Veneza no elenco do potencial ímã de Oscars 'Amizade em Altitude', Keanu Reeves tem ponto pra bater no circuitão na semana que vem, de volta a um de seus personagens mais icônicos: John Wick. Se te disseram que ele bateu as botas, duvide. Ao menos no esperado thriller "Bailarina" ("Ballerina"), com Ana de Armas, ele vai matar gente ruim de novo. A produção chega aqui no próximo dia 4, via Paris Filmes, com fome de lucrar milhões. Com direção de Len Wiseman ("Anjos da Noite"), a trama se passa durante os eventos de "Parabellum" (2019), parte três da saga de Wick, e acompanha a sanha assassina de Eve Macarro, que está começando seu treinamento nas tradições da organização Ruska Roma para se tornar um anjo da destruição. Keanu faz participação. Na prática, contudo, ele é um chamariz.

Com quatro decadas de carreira e seis de vida, Keanu rabalhou sob a direção de gigantes como Bernardo Bertolucci ("O Pequeno Buda"), Francis Ford Coppola ("Drácula"), Kathryn Bigelow ("Caçadores de Emoção"), Rebecca Miller ("A Vida Íntima de Pippa Lee") e Gus Van Sant ("Garotos de Programa"). Emplacou o feito raro de estrelar três franquias pop, iniciadas em décadas diferentes. No fim dos anos 1980, ele dividiu com Alex Winter (hoje um documentarista de prestígio) o sucesso de "Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica", que rendeu continuações e uma série de desenhos animados pra TV. Em 1999, foi a vez de ele lutar kung-fu, desafiar a gravidade e explicar Hegel e Kant aos cinéfilos no papel do hacker Neo no cult "Matrix", que rendeu três continuações (duas em 20023 e uma em 2021). A terceira franquia - que será expandida com o tal derivado, ou spin-off, batizado "Bailarina" - foi iniciada em 2014, com o filme "De Volta Ao Jogo", que apresentou a Hollywood o legado Wick.

Macaque in the trees
A trama de 'bailarina' se passa durante os eventos de 'Parabellum' (2019), parte três da saga de Wick, e acompanha a sanha assassina de Eve Macarro, que está começando seu treinamento para se tornar um anjo da destruição | Foto: Divulgação

Seu longa mais recente, o 4, de 2023, faturou cerca de US$ 440 milhões. Esse anti-herói é apelidado de "Baba Yaga" (termo que pode ser traduzido como Bicho-Papão, referindo-se a uma entidade das trevas).

Com Keanu em cena, ao lado de Ana de Armas, o aguardado "Bailarina" entra em circuito com a promessa de se tornar um dos mais rentáveis blockbusters do ano. Os números dos longas anteriores atestam essa expectativa: o primeiro custou US$ 20 milhões e faturou US$ 86 milhões; o segundo, custou US$ 40 milhões e teve uma receita de US$ 171,5 milhões; e o terceiro foi orçado em US$ 75 milhões e arrecadou US$ 327,3 milhões.

 

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Além de promover uma revolução narrativa na telona, John Wick deu asas aos quadrinhos para publicar uma minissérie de cinco partes além de ter gerado a criação de bonequinhos das mais variadas formas | Foto: Divulgação

Tudo no mundo de Wick gira em torno da cruzada de vingança desse pistoleiro infalível que, um dia, integrou a organização secreta chamada de Cúpula, que ele renega para cuidar de sua esposa doente, ficando apenas com o cãozinho dela - que, ao ser eliminado, instiga o sujeito a matar novamente. Mesmo simples, a premissa rendeu uma revolução narrativa na telona, deu asas aos quadrinhos para publicar uma minissérie de cinco partes escrita por Greg Pak e ilustrada por Giovanni Valletta e Matt Gaudio pra Dynamite Entertainment, além de ter gerado a criação de bonequinhos das mais variadas formas.

"Cheguei num momento da vida e da carreira em que preciso deixar um legado e ser mais seletivo nas minhas escolhas, para esboçar projetos que fiquem no imaginário das plateias", disse Reeves aos Correio da Manhã, em Cannes, em 2013, quando lançou seu (até hoje) único trabalho como cineasta, "O Homem do Tai Chi", lançado um ano antes de encarnar Wick pela primeira vez. "Fazer cinema é mexer com valores, é simbolizar afetos".

Pouco antes de "John Wick: Baba Yaga" ser feito, ele emprestou o rosto e a voz a um game: "Cyberpunk 2077", no qual encarna o personagem Johnny Silverhand. Paralelamente, ele ainda emprestou seu talento e seu perfil às histórias em quadrinhos, assinando o roteiro de um dos gibis mais vendidos dos EUA dos últimos dez anos: "BRZRKR". Best-seller, com 600 mil exemplares vendidos, o encadernado chegou aqui numa luxuosa edição da Panini Comics, que compila as aventuras de um guerreiro imortal. O astro idealizou a trama em parceria com Matt Kindt. Quem assina a arte é um mestre do desenho, com anos de Marvel em seu currículo: Ron Garney, que deslumbrava olhares na década de 1990 desenhando o Capitão América. O responsável pela ilustração da capa da versão que nos chega também por venda online - via https://loja.panini.com.br/ - é o gaúcho Rafael Grampá, aclamado pela graphic novel "Mesmo Delivery", na década passada. Já em preparacão para virar filme, com Keanu no papel central, "BRZRKR" tem como protagonista um soldado misterioso, encarado como um semideus pelas tribos vikings onde nasceu, amaldiçoado com a sina de durar (e matar) eternamente, tendo o próprio pai como um motor de sua bestialidade. Ele é conhecido simplesmente como Berzerker. Depois de vagar errante pelo mundo por milênios, sem encontrar um sentido para sua existência, Berzerker pode finalmente ter encontrado um refúgio, trabalhando para o governo dos Estados Unidos. Sua missão é travar batalhas contra inimigos daquela nação sem perguntas as razões de seu intervencionismo militar. Em troca, ele receberá a única coisa que deseja: a verdade sobre sua existência infinita, encharcada de sangue.

Sempre dublado no Brasil por Reynaldo Buzzoni, Reeves nunca foi considerado um titã da boa atuação, mas já foi elogiado por mestres. Al Pacino, por exemplo, equiparou o colega a Johnny Deep e a John Cusack quando dividiu com as telas de "O Advogado do Diabo", em 1997. Mal sabia o eterno Michael Corleone que Reeves aceitou ganhar bem menos do que seu salário habitual para que Pacino pudesse ser custeado pela produção. Anos depois, foi a vez de um transgressor profissional, o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, rasga-se em elogios a Reeves, ao filmar com ele "Demônio de Neon", em 2016.

"Quando cheguei no set e vi Keanu, todo generoso, sempre solícito, eu ficava olhando para os colegas dizendo: 'Gente, temos Keanu Reeves, a lenda, num pequeno filme de autor europeu'. Se ele não tivesse feito 'Bill & Ted', nunca existiria 'Se Beber, Não Case', pois foi ele quem abriu a porta para aquele tipo de humor nevrálgico. Se ele não tivesse feito 'Caçadores de Emoção' e, pouco depois, 'Velocidade Máxima', o cinema de ação que existe hoje não existiria. E toda a sci-fi contemporânea deve tudo ao Neo de 'Matrix'. Ele é o pilar de muita coisa", disse Refn. "Ele é a grife Keanu Reeves".

Estima-se que, pela força da venda de ingressos antecipados, "Bailarina" chegue perto de US$ 500 mil na venda de ingressos. Os exibidores agradecem a Reeves. A indústria cinematográfica também agradece, afinal foi "De Volta Ao Jogo", onze anos atrás, que fez uma renovação da representação da violência na telona, graças à artesania de seus diretores, Chad Stahelski e David Leitch, dois dublês que se estabelecem como realizadores apostando numa narrativa cinemática, de puro movimento, sem diálogos descartáveis. É como se eles fizessem algo próximo dos desenhos do Papa-Léguas com o Coiote - ou seja, perseguições com correria incessante - mas com atores. É uma revolução no pop. Revolução que encontra em Reeves seu rosto e seu rei.

Embora acalente o sonho de um dia viver Wolverine, ele agora vai retomar os laços com os quadrinhos retornando ao capote do mago John Constantine, para a DC Comics e pra Warner Bros., resgatando o universo sobrenatural em que atuou no cult de 2005.

Que Ana de Armas consiga se destacar em cena - com o talento que tem, será fácil - sem a sombra de Wick.